O movimento de dados abertos tem crescido consideravelmente nos últimos anos, e a cada conferência que eu participo sobre o tema vejo novas iniciativas com a missão de tornar o acesso aos dados, nesse mundo onde praticamente todos os passos que damos geram registros digitais, mais igualitário.

Estive em Santiago do Chile na semana passada, onde aconteceu, entre os dias 7 e 10 de setembro, a AbreLatAM e a ConDatos, eventos que reúnem atores para dialogar sobre o impacto dos dados abertos na América Latina. Enviei uma proposta para apresentar os projetos da Escola de Dados e debater o estado da alfabetização de dados na região.

Alfabetização de dados? Pois é, para quem não acredita que o acesso aos dados seja um fim em si mesmo, é sobre este tema que devemos tratar. Ter dados de governos e corporações disponíveis não significa necessariamente ter uma sociedade mais informada e justa. As pessoas precisam ser capazes de extrair significado a partir dos dados. E isso só é possível se os atores que estão no front do debate público, como jornalistas, pesquisadores, organizações sociais e cidadãos interessados, tiverem os conhecimentos adequados para lidar com eles.

Esse é o trabalho da Escola de Dados, e foi também o tema da mesa que eu mediei na ConDatos. Alfabetizar em dados equivale a construir pontes para ligar o mundo dos dados brutos com o da inteligência social.

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Mesa “Quem usará os dados? Alfabetizando em dados abertos”, apresentada na ConDatos 2015. Foto: Juan Torres/Escola de Dados

Sem iniciativas para aportar as habilidades básicas de uso dos dados – limpar, cruzar, fazer análises estatísticas, visualizar, entre outras – o impulso para o aumento da transparência e engajamento público tão sonhado pelo movimento de dados abertos não ecoa. Ao contrário, tendemos a afundar cada vez mais nossas sociedades na “cegueira branca”, no excesso de informação que não nos dá referencial.

A boa notícia é que junto com a Escola de Dados, uma rede de data trainers com presença em cada vez mais países, temos outros projetos com a missão de difundir o uso dos dados e diminuir o “fosso técnico” que é hoje uma das fontes de desigualdade informativa no mundo. E nesse painel da ConDatos pude conhecer alguns deles.

Tive o prazer de dividir a mesa com a pesquisadora Javiera Atenas, da University College de Londres; Marco Túlio Pires, coordenador da rede internacional da Escola de Dados; Sérgio Araiza, líder em formação de dados da SocialTic do México; e Marlene Torrealba, do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) do Chile.

Javiera apresentou um caso de sucesso onde ferramentas de alfabetização em dados serviram para professores de uma escola secundária na Itália estimularem seus alunos a se envolverem com a fiscalização dos fundos públicos locais (veja a apresentação aqui). Segundo a pesquisadora, estimular o uso de dados abertos entre estudantes é uma forma também de renovar os modelos pedagógicos, aproximar os estudantes dos problemas reais em âmbito local e estimular o desenvolvimento de competências cívicas e científicas neles.

Marco e Sérgio trouxeram exemplos do trabalho feito dentro da rede da Escola de Dados. Hoje somos mais de oito membros e 26 fellows, que já atuaram em 26 países, treinando mais de 4500 pessoas. No México, a SocialTic lidera diversas formações em uso de dados e é uma referência regional sobre o tema. No Brasil, já treinamos mais de 100 pessoas presencialmente e tivemos quase 5 mil inscritos no primeiro Curso Online Massivo e Aberto sobre jornalismo de dados no país, oferecido pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

Marlene falou de uma iniciativa que o “IBGE” chileno está promovendo para ensinar estatística para estudantes. O projeto do INE quer facilitar o acesso da comunidade docente aos documentos produzidos pela instituição. Para isso, ele dispõe de materiais de apoio para professores e guias para alunos, como um CD enviado para colégios com um atlas interativo do Chile e uma ferramenta multimídia que mostra de forma dinâmica a evolução da população no país desde 1907.

Destes e de outros projetos que pude conhecer ao longo dos quatro dias de eventos em Santiago, destaco a positiva impressão de que houve um avanço no debate sobre como precisamos atuar pra falar de dados verdadeiramente abertos.