*Texto originalmente publicado no blog da International Open Data Conference 2016

Um dos principais pontos debatidos pelo movimento de dados abertos é como eles impactam realidades locais e globais. É senso comum já há alguns anos que apenas liberar dados não é suficiente para mudar nossas sociedades para melhor, responsabilizar os governos, gerar políticas públicas melhores e melhores serviços para os cidadãos ou combater as desigualdades. Isso porque o uso de dados abertos não necessariamente está nas mãos do cidadão comum.

Vemos a mudança que os dados abertos podem trazer pela ação de grupos de indivíduos que têm habilidades para entender o que está escondido em bases de dados e processar essa informação para o consumo em massa e a reflexão. Os infomediários formam um importante grupo para nos levar de números e arquivos CSV à mudança real. Jornalistas de dados são infomediários especiais, que desempenham um papel vital ao traduzir informações complexas em histórias capazes de gerar a queda de governos corruptos e fazer com que os poderosos prestem contas de seus feitos.

Em 2010, o governo brasileiro iniciou um programa para financiar as mensalidades dos cursos de graduação em instituições privadas a taxas de juro baixas, a fim de aumentar o número de alunos na universidade. Em quatro anos, o programa tinha recebido 28 bilhões de reais de dinheiro público, mas o crescimento das matrículas nas escolas privadas não havia aumentado, na contramão das transferências de fundos federais para grupos privados de educação. Esta informação foi tornada pública não por uma avaliação oficial da eficácia do programa, nem mesmo por um servidor público, mas a partir de uma história guiada por dados abertos publicada no ano passado pela equipe de jornalismo de dados do Estadão.

Após a história, o governo alterou o programa.

Cidadãos argentinos podem monitorar todos os detalhes da atividade legislativa graças a um aplicativo criado pelo jornal La Nación, o Congresoscopio, com base em dados abertos sobre o Congresso. Eles também contam com uma iniciativa jornalística de fact-checking que, a partir de dados, verifica a veracidade dos discursos políticos, incentivando governos, mídia e empresas a prestar contas e dizer a verdade.

No início de abril de 2016, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos trabalhou com 2,6 terabytes de dados vazados da empresa panamenha Mossack Fonseca e desvelou o funcionamento dos paraísos fiscais e um vasto esquema de corrupção entre a elite política global, com matérias produzidas por jornalistas locais ao redor do mundo. Isso iniciou investigações sobre essas figuras públicas e um debate sobre reforma tributária e regulação de paraísos fiscais.

Os exemplos estão por toda parte e representam apenas a ponta do iceberg em um cenário de mídia no qual ainda não temos muitos profissionais com experiência em tecnologia e muitas redações conduzindo investigações guiadas por dados, especialmente nos países em desenvolvimento.

Na Escola de Dados, acreditamos que, apoiando e treinando mais jornalistas -, bem como outros infomediários – podemos incentivar mais histórias baseadas em dados que poderiam levar a mudanças sociais, com visualizações e soluções que podem ajudar a sociedade civil a entender seus problemas e estimular líderes a agirem. Vários jornalistas, a partir de pontos de vista independentes e tradicionais, que participaram de treinamentos facilitados por nossa rede, já ajudaram grupos organizados a alcançar resultados inspiradores. Eles fazem parte de uma comunidade emergente e vibrante que foi criada em torno de nossas oficinas, conteúdo online e programa de fellowship global.

É por isso que a capacitação para infomediários é um elemento importante para avançar na agenda de dados abertos. A fim de tornar mais infomediários alfabetizados em dados, precisamos identificar as competências necessárias para cada grupo e cada contexto, a lacuna de competências por região e sexo, os exemplos práticos que desbloqueiam o potencial dos dados abertos, e as melhores metodologias.

Também precisamos construir pontes entre aqueles que criam políticas e padrões para coletar e liberar bases de dados e aqueles que são hábeis o suficiente para extrair significado delas. Incentivos positivos, tais como prêmios para melhores matérias – o que também ajuda a identificar casos reais – e sessões e eventos mais interdisciplinares, reunindo diferentes atores, são algumas das ideias que precisamos discutir ao nos reunirmos no #IODC16, em Madri.