Produção de dados e criação de mundos: soberania tecnológica e lutas sociais
SOBRE O WORKSHOP
Texto por João Paulo
Revisado pela Escola de Dados
A produção de dados é também uma forma de produção de mundos e pode auxiliar na construção de universos com uma tecnopolítica atenta às questões de poder e soberania, conectando-se com lutas sociais, territórios e formação de comunidades.
Por isso, neste bate-papo, Alicia Miranda, Daniele Monteles e Henrique Parra debateram, sob a mediação da pesquisadora Fernanda Bruno, como a produção de dados, fatos e evidências pode contribuir para a defesa de direitos, quais desafios perpassam os movimentos nesse processo, e de quais formas os conhecimentos contra-hegemônicos auxiliam na composição dessa tecnopolítica.
No primeiro momento do diálogo, a pedagoga e professora da Educação Básica Daniele Monteles apresentou o sistema digital de aprendizagem Ava Poraquê. Desenvolvido pela Fundação Escola Bosque (Funbosque), ele é, atualmente, referência na educação ambiental na ilha do Outeiro (PA). Daniele explicou que a base do sistema é um software livre que permite a reconfiguração de sistemas para atender as particularidades e as dinâmicas da Amazônia na sala de aula. Desde a sua criação, as pessoas desenvolvedoras da plataforma criaram novas formas para melhorar o aprendizado, como jogos lúdicos, a inserção de imagens e outras formas de tornar o ensino mais didático dentro da plataforma Moodle. Além disso, o sistema também pode ser utilizado por docentes em sala de aula e na educação de jovens e adultos.
A segunda parte do diálogo foi com a ativista Alicia Miranda, que se aproximou do Movimento Plantaformas depois de participar de um curso oferecido no Ava Poraquê, onde pôde compreender melhor o impacto do colonialismo de dados na Amazônia. O Plantaformas é uma plataforma de participação social com acesso facilitado que conta com iniciativas e movimentos sociais de todo o Brasil. O Movimento realiza encontros presenciais, campanhas e também com produção de notícias.
Alicia exemplificou como o Movimento Plataformas foi utilizado para desenvolver um mini censo em colaboração com líderes femininas negras de uma comunidade. Neste projeto, a pesquisa foi conduzida por uma líder local remunerada, suplementando a falta de dados governamentais. A plataforma facilita a criação de novos horizontes, transformando realidades locais e promovendo esperança para um futuro melhor.
Para encerrar a roda de conversa, Henrique Parra, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), enfatizou que, na era digital, a multiplicidade de interpretações da realidade amplifica a disseminação de informações, o que pode ter tanto impactos positivos quanto negativos. Com diversas narrativas e interpretações da realidade disponíveis, surge a reflexão sobre a viabilidade de estabelecer um único regime de verdade versus a valorização da diversidade de perspectivas e de construções de mundo. A complexa tarefa de utilizar a ciência de dados na atualidade vai além da educação formal, exigindo a formação de comunidades engajadas no combate à desinformação, a exemplo dos embates ocorridos na época da pandemia em relação ao negacionismo causado por essa ação.
Assim, foi destacada a importância de se utilizar softwares livres na formação de comunidades políticas para retomar o controle sobre os “territórios existenciais”, evidenciando que as interpretações da realidade são moldadas pelas tecnologias e pelos processos de produção de dados informacionais.
LOCAL
Sala E 206
NÍVEL
Básico.
REFERÊNCIAS
Alicia Miranda
Mulher negra e amapaense. Graduanda em Licenciatura em História pela UNIFAP, pesquisadora de gênero e história social do trabalho na Amazônia. Atua como ativista no Coletivo Utopia Negra Amapaense, onde desenvolve projetos voltados para questões raciais e climáticas. Foi bolsista do Movimento Plantaformas 2023-2024 e agora integra a equipe da Plantaformas e Casa Preta Amazônia desenvolvendo atividades voltadas para discussões tecnopolítica, de participação social, ancestralidade e tecnologias livres.
Daniele Monteles
Pedagoga pela Universidade do Estado do Pará e Licenciada em Letras pela Universidade Federal do Pará. Mestranda em Educação, no Programa de Pós-Graduação em Gestão e Currículo da Escola Básica (UFPA). Pesquisadora vinculada à Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) como membro do GT-16 (Educação e Comunicação). Professora da Educação Básica, na Fundação Escola Bosque e na rede privada do município de Belém. Produtora de conteúdo digital da plataforma AVA PORAQUÊ.
Fernanda Bruno
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e do MediaLab.UFRJ. Pesquisadora do CNPq e co-fundadora da Rede latino-americana de estudos em vigilância, tecnologia e sociedade/LAVITS. Foi pesquisadora visitante na Sciences Po, Paris, e no Departamento de Humanidades Digitais do King’s College, Londres. Atualmente, é membro do conselho diretor da Surveillance Studies Network, integra a rede Tierra Común e a coalizão feminista <A+> Alliance for inclusive algorithms. Entre os seus livros, destacam-se: Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade (Sulina, 2013) e Tecnopolíticas da Vigilância: perspectivas da margem (2018, Boitempo). É co-editora da Revista DR.
Henrique Parra
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É coordenador do Laboratório de Tecnologia, Política e Conhecimento (Pimentalab); integrante do Laboratório de Humanidades Digitais (lab.hum) e da Rede Latinoamericana de Estudos em Tecnologia, Vigilância e Sociedade (LAVITS).
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