O América Aberta (AA), realizado pela primeira vez no Brasil, conectou governos e sociedade civil para discutir conjuntamente a abertura e a governança de dados, principalmente no contexto de países da América Latina. E em tempos de hiperconexão e produção de grandes volumes de dados, debater sobre esses temas não é suficiente se não abordarmos também o papel crucial da alfabetização em dados, ou “data literacy”. 

Durante a construção da Abrelatam – umas das trilhas do AA –, a sociedade civil trouxe exatamente essa preocupação: o desalinhamento entre a oferta e o uso de dados de forma massiva. Afinal, a habilidade de entender, interpretar e dar contexto aos dados, conectando-os com as demandas sociais, políticas públicas e direitos, não é um item “extra” no debate sobre transparência, mas um elemento central para a construção de democracias mais justas e participativas.

Ao longo dos quatro dias de evento, em Brasília, ficou claro que os processos de abertura de dados só cumprem o seu papel fundamental quando são compreensíveis e úteis para quem precisa deles. É a alfabetização em dados que permite que a transparência vá além do discurso, transformando o consumo de informações em participação real. 

E é aqui que o trabalho feito pela Escola de Dados se torna cada vez mais indispensável. Desde que o capítulo brasileiro foi criado, em 2013, este programa da Open Knowledge Brasil tem se dedicado a reduzir barreiras de acesso ao conhecimento sobre dados num país onde as desigualdades estruturais ainda limitam as oportunidades de aprendizado. 

Foi assim quando treinamos jovens de favelas do Rio de Janeiro em 2016, colaborando para o surgimento do data_labe, um observatório de geração cidadã de dados da Maré; ou quando adaptamos um curso inteiro sobre dados ambientais para que o conteúdo chegasse a 85 ribeirinhos e quilombolas de 16 cidades da Ilha de Marajó, no Pará. 

Garantir que jornalistas, lideranças comunitárias, gestores públicos, pesquisadores, ativistas e cidadãos tenham (e saibam usar) as ferramentas necessárias para transformar dados em histórias, ações e políticas é, de alguma forma, construir um espaço mais democrático.

No América Aberta, tivemos a chance de nos aproximar dos nossos colegas da Escuela de Datos, que atua especificamente com a comunidade de falantes de espanhol, e durante alguns papos sobre essa missão da ED mundo afora, Omar Luna, coordenador do capítulo, me fez refletir sobre a demanda pelo aprimoramento no trabalho com dados. “Esse diálogo parceiro e cuidadoso nos permitiu identificar oportunidades para construir estratégias conjuntas que abordem os passos para a alfabetização e a abertura de dados nesse contexto de cenários complexos no qual se encontram atualmente os países da América Latina”, ele disse. 

E é isso. Trabalhar com dados não deve ser uma questão técnica e restrita a especialistas. A alfabetização em dados tem uma dimensão profundamente política se quisermos evitar que o acesso não reproduza desigualdades. Serve para que democracias não só sobrevivam às mudanças do mundo digital e hiperconectado, mas também prosperem. 

Os coordenadores dos capítulos brasileiro e de comunidades hispanohablantes da Escola de Dados, Jamile Santana e
Omar Luna, durante o América Aberta, em 2024.