Lançamento do Índice de Dados Abertos para Cidades 2023

SOBRE O PAINEL

Quando o assunto é disponibilidade e qualidade de dados, as capitais do Norte do Brasil têm muito o que melhorar. É o que mostra o Índice de Dados Abertos para Cidades 2023 (ODI Cidades), avaliação inédita do estado da abertura de dados nas 26 capitais brasileiras.

As sete capitais do Norte tiveram classificação “opaca” no estudo – a pior de cinco níveis possíveis (opaco, baixo, médio, bom e alto), o que significa que elas atingiram até 20% de um máximo de 100.

A cidade nortista mais bem colocada foi Porto Velho (RO), na 10a posição, com pontuação de 9%. A capital de Roraima foi a única que alcançou um nível de abertura “baixo” na categoria Finanças Públicas, enquanto as outras seis capitais acabaram atingindo apenas o nível “opaco” em todas as 15 dimensões de políticas públicas analisadas pelo Índice.

Boa Vista (RR), por outro lado, zerou a dimensão Finanças Públicas – façanha que apenas outras duas capitais brasileiras alcançaram (Rio de Janeiro e Natal). A capital de Roraima ficou em último lugar no ranking geral, com pontuação zerada e praticamente nenhum dado aberto encontrado sobre nenhuma dimensão.

Além disso, nenhuma das sete capitais da região conta com instrumentos de gestão e planejamento de abertura de dados.

“É um cenário de ausência de dados muito grande”, alertou Danielle Bello, coordenadora de Advocacy e Pesquisa na Open Knowledge Brasil (OKBR).

 

O ODI Cidades 2023

Esses dados foram apresentados por Danielle Bello durante o lançamento do estudo em Belém (PA) no dia 27/06. O evento marcou a divulgação da pesquisa na região Norte, e fez parte da programação da edição regional da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais na Amazônia — Coda Amazônia 2024.

Para mapear a disponibilidade e qualidade de dados abertos governamentais em nível municipal, o ODI Cidades 2023 avaliou, nas 26 capitais brasileiras, 111 conjuntos de dados em 14 áreas de políticas públicas:

        – Administração pública

        – Assistência e desenvolvimento social

        – Cultura

        – Educação

        – Esporte e lazer

        – Finanças públicas

        – Habitação

        – Infraestrutura urbana

        – Legislação

        – Meio ambiente

        – Mobilidade e transporte público

        – Ordenamento territorial e uso do solo

        – Saúde

        – Segurança pública

Danielle explicou que, para analisar os dados, foram levados em consideração indicadores de acesso, de licenciamento, de temporalidade, de documentação, de detalhamento e de formato, que colocaram critérios para a pontuação concedida aos dados abertos. E enfatizou que o ODI Cidades 2023 não avalia apenas a disponibilidade dessas informações, mas também a sua qualidade.

Há ainda um 15o eixo avaliado, que trata da governança de dados. Com indicadores específicos que olham para instrumentos de gestão e planejamento, essa dimensão mostra como as prefeituras estruturam suas políticas de dados abertos.

No ranking geral, apenas São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG) alcançaram nível “médio” de abertura. Nenhuma capital chegou a 50% de pontuação.  

Inspiração no Open Data Index 

O Índice é uma iniciativa da Open Knowledge Brasil (OKBR) que começou a ser reformulado em 2022 e que teve como pergunta norteadora como as capitais brasileiras publicam dados abertos.

“A partir dela, desdobramos para outros questionamentos: quais prefeituras publicam dados mais abertamente? Quais áreas de políticas públicas têm mais dados disponíveis? Quais os parâmetros de dados abertos? Não temos respostas para essas questões, porque inexiste uma política de dados abertos que estabeleça parâmetros mínimos para isso”, explicou Danielle.

O contexto de eleições municipais neste ano também contribuiu para reforçar a necessidade e a relevância do Índice. “Temos eleições chegando e um ambiente cada vez maior de desinformação. Para conseguirmos viabilizar uma participação mais ampla e construir um debate público qualificado, precisamos de dados”, concluiu.

Mas a sua construção levou em conta experiências passadas da OKBR – como o Índice de Transparência de Covid-19 (ITC) – e se baseou em uma metodologia já existente: o Open Data Index. Principal produto da Open Knowledge Foundation entre 2013 e 2017, ele foi uma grande avaliação do estado dos dados governamentais abertos no mundo. 

“O Global Open Data Index permitia, com uma tecnologia muito simples, ver quais governos estavam realmente publicando dados e se eles tinham qualidade. Era uma ferramenta fácil para incentivar os governantes a adotarem políticas de dados abertos, criando competitividade entre eles, porque existia um processo e um guia que os ajudavam a melhorar seu ranking”, explicou Renata Ávila, CEO da Open Knowledge Foundation.

Renata não pode estar presente na mesa de debate, e por isso mandou seu pronunciamento em vídeo.

Danielle chamou atenção para a necessidade de adaptar e repensar esse índice global para adequá-lo à realidade local e à estrutura federativa brasileira:

“Temos municípios com responsabilidades e atribuições muito fundamentais na formulação e na execução de políticas públicas, e isso precisava estar refletido no Índice. O Open Data Index estava pensado para países, e foi preciso discutir temas que deveriam estar presentes no nosso índice a nível municipal”, disse.

Tal como o Open Data Index, porém, o ODI Cidades busca ir além do ranqueamento e trazer orientações práticas e objetivas para as pessoas gestoras que buscam efetivar governos mais abertos e transparentes.

“Só conseguimos discutir uma política pública se ela é monitorada – e por isso as avaliações são importantes. Mas o caráter do ODI vai além desse, pois ele é também um conjunto de diretrizes que servem de orientações para quem quer abrir dados, nas mais diferentes instâncias de governo”, reforçou Danielle.

Índice de Transparência em Governança Pública

Para Ediane Lima, gestora de projetos do Observatório do Marajó que participou da mesa de debate, esse tipo de estudo evidencia o cenário nacional de falta de dados abertos para monitorar políticas públicas. 

“A gente sempre fala que a informação é uma das ferramentas principais na busca por direitos e no processo de incidência política, seja em qual território estejamos. Como vamos compreender como as políticas estão acontecendo nos nossos territórios ou se as populações que realmente precisam estão tendo acesso a elas se não temos dados abertos?”, questionou.

 

 

Ainda que o ODI Cidades não seja uma avaliação sobre transparência ativa, porque olha apenas para a publicação de dados abertos, Ediane apontou semelhanças entre este estudo e o Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP) do Marajó, realizado desde 2022 pelo Observatório do Marajó com apoio técnico e metodologia da Transparência Internacional – Brasil.

O ranking acontece nos 17 municípios que compõem o arquipélago do Marajó e olha para indicadores que avaliam transparência, participação social, abertura de dados, transformação digital, acesso à informação e governança pública.

Na edição de 2023, todas as cidades receberam classificação “regular”, sendo que nenhuma alcançou 60 pontos de um total de 100.

Segundo Ediane, o mais importante nesse processo é a avaliação ser feita por lideranças das comunidades locais, o que requer uma formação na metodologia e dá abertura para pautar a narrativa da transparência para a população.

“Falar de dados abertos ainda é um assunto muito distante da sociedade. Por isso, é importante que a população tenha acesso a essas ferramentas para compreender e saber não só identificar quem pontuou ou não em cada indicador, mas o que isso interfere na vida das pessoas de fato”, disse.

Desafios

Durante as perguntas para as palestrantes, foram abordados os desafios de se realizar esses tipos de trabalho em nível local.

“Um desafio grande é a rotatividade dos servidores públicos. Se hoje estou construindo um diálogo com uma equipe, daqui seis meses, com uma nova gestão, terei que fazer esse processo de novo, porque troca”, explicou Ediane.

Ela também ressaltou a importância de dar devolutiva às prefeituras, tal como tem feito o ODI Cidades 2023. “Todo o processo de avaliação do ITGP é comunicado às prefeituras, porque a ideia é que a gente consiga, através dele, estimular que elas melhorem sua transparência pública”, contou.

“Uma forma que encontramos de dar um passo além e indicar bons modelos foi destacar boas práticas de abertura e publicação de dados que encontramos ao longo do estudo. São as chamadas bases estreladas”, explicou Danielle. 

Elas podem ser encontradas na publicação do ODI Cidades 2023.

LOCAL

Auditório David Mufarrej

NÍVEL

Básico.

PRÉ-REQUISITOS

Não há pré-requisitos.

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Ediane Lima

Mulher negra de origem ribeirinha, gestora de projetos do Observatório do Marajó.

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Danielle Bello

Coordenadora de Advocacy e Pesquisa na Open Knowledge Brasil, onde lidera iniciativas que buscam fortalecer a abertura de dados e governos, a governança de dados e a governança democrática. Atua com políticas públicas desde 2016, no governo e terceiro setor, em especial nas áreas de governo aberto, transparência pública e educação. Mestranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), é especialista em Gestão Pública (Insper) e bacharela em Políticas Públicas e em Ciências e Humanidades (UFABC).

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Renata Ávila

É uma advogada internacional de direitos humanos e tecnologia e defensora da abertura. Atualmente, ela lidera a Open Knowledge Foundation (OKFN), uma organização global sem fins lucrativos cujo foco principal é endossar o valor dos dados abertos para a sociedade, ajudando indivíduos e organizações a acessar e usar dados para agir sobre problemas sociais. Anteriormente, foi bolsista e afiliada ao Instituto de Inteligência Artificial Centrada no Humano da Universidade Stanford e atualmente está associada ao Centro para a Internet e Sociedade no CNRS, França. Ela participa dos conselhos de várias organizações, incluindo Open Future, o Centro para o Avanço da Imaginação Infraestrutural e a Coalizão Just Net. Ela co-fundou a Aliança para Algoritmos Inclusivos e a Internacional Progressista. Ela co-escreveu dois livros e contribui regularmente para diferentes publicações em inglês e espanhol.

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