Tutorial baseado no workshop “How to Track Disinformation Networks”
da Tactical Tech. Traduzido e adaptado por Anicely Santos
e Pedro Henrique em maio de 2023.
A desinformação é um problema mundial com impactos significativos em diversas esferas da sociedade, tanto em nível individual quanto global. Neste contexto, plataformas digitais como Twitter, Facebook, WhatsApp e Telegram emergiram como meios amplamente utilizados por campanhas de desinformação. Através dessas plataformas, tanto os próprios produtores de conteúdo quanto outros usuários podem ativamente contribuir para a difusão de desinformação em diferentes contextos, como saúde e política.
As redes de desinformação acontecem quando pessoas ou grupos aproveitam certas condições, recursos ou características na forma como as informações são transmitidas para chamar a atenção e influenciar o que as outras pessoas pensam. Eles fazem isso de maneira enganosa, criativa ou injusta. O conteúdo pode circular em diferentes formatos, não apenas como notícias.
Nesse tutorial vamos entender como funcionam as campanhas de desinformação, apresentar o ciclo de vida de uma campanha e ensinar a documentar uma investigação deste fenômeno.
Como funcionam as campanhas de desinformação e manipulação
As campanhas de desinformação e manipulação não acontecem de maneira vitalícia, elas possuem o que a equipe de pesquisa de Tecnologia e Mudança Social (TaSC) do Shorenstein Center, da Harvard Kennedy School, denominou como “ciclo de vida”, contendo 5 etapas. Isso não quer dizer que as etapas sempre acontecerão de maneira linear. Portanto, ao investigar, procure um desses pontos e rastreie a campanha para trás e para frente dentro deste círculo.
Etapa 1: Planejamento e origens de campanhas de manipulação
Nesta etapa, é necessário identificar quais canais estão sendo utilizados para espalhar informações falsas. Em seguida, é importante documentar esses canais. Procure coletar evidências sobre as campanhas de desinformação, incluindo informações sobre as plataformas e tecnologias usadas pelos responsáveis pela campanha, bem como as circunstâncias sociais que facilitaram o início da disseminação de informações falsas. Por exemplo, verifique sobre quais assuntos específicos eles estão espalhando desinformação.
Durante o processo de documentação, é possível coletar evidências de aplicativos de mensagens ( WhatsApp, Telegram e Signal) além de sites, redes sociais (Twitter, Facebook, YouTube), plataformas editoriais como o Medium, entre outros. No entanto, devido à natureza clandestina do planejamento dessas campanhas, pode não ser sempre viável, ético ou legal obter essas evidências. Quando for possível, colete-as.
Etapa 2: Disseminar a campanha em plataformas sociais e na web
Nesta etapa, você irá observar quais táticas estão sendo usadas para espalhar a desinformação. Isso envolve perceber como o conteúdo relacionado à operação está sendo disseminado. Geralmente, nessa fase, são executados planos de campanha nos quais narrativas, slogans, imagens, vídeos ou outros materiais são espalhados de forma estratégica em sites de notícias menos conhecidos, mídias sociais ou plataformas de transmissão de vídeo. Os participantes da campanha tentam dominar as conversas em plataformas onde acreditam que podem alcançar o público-alvo desejado.
Isso pode ocorrer em diferentes locais, como em grupos do WhatsApp, páginas do Facebook, hashtags e bots no Twitter ou por meio do uso estratégico de palavras-chave na web aberta. O objetivo é atingir o maior número possível de pessoas para criar um impacto significativo nas discussões. Isso pode fazer com que a campanha se torne digna de notícia, criar uma falsa percepção de grande preocupação pública, influenciar a opinião das pessoas, recrutar seguidores ou obter outras respostas tanto online quanto offline.
Etapa 3: Respostas da indústria, ativistas, políticos e jornalistas
Após a disseminação do conteúdo, a campanha entra na etapa 3, que é quando ela começa a se expandir em diferentes níveis: local, regional, nacional e até mesmo internacional. Nessa fase, observamos como os atores institucionais, organizações da sociedade civil, políticos, partidos políticos e veículos de mídia amplificam, adotam ou estendem a campanha.
Essa terceira etapa é um momento crucial, pois indica se a campanha conseguiu chamar a atenção através da amplificação e se obteve resultados observáveis. As respostas a essa campanha podem incluir declarações públicas de representantes das plataformas de mídia social, campanhas de ativistas que denunciam o comportamento malicioso dos participantes da campanha, pronunciamentos políticos oficiais, reportagens críticas na mídia convencional ou até mesmo a adoção política de ideias ou narrativas promovidas pela própria campanha.
Etapa 4: Mitigação
A quarta etapa de uma campanha de manipulação envolve as ações tomadas por empresas de tecnologia, governo, jornalistas ou sociedade civil para reduzir a disseminação do conteúdo e das mensagens da campanha, assim como seus efeitos negativos. Essas ações podem incluir iniciativas da sociedade civil, como desmascarar e pesquisar informações, medidas adotadas pelas empresas de tecnologia, como proibir usuários, excluir contas e remover conteúdo, esforços das organizações de mídia para verificar fatos e realizar reportagens investigativas, além de ações governamentais, como projetos de lei, mudanças regulatórias e ordens de remoção de conteúdo. Essas ações têm o objetivo de minimizar o impacto negativo da campanha e suas consequências.
Etapa 5: Ajustes dos manipuladores ao novo ambiente
A quinta e última etapa de uma campanha de manipulação envolve como os participantes da campanha se ajustam às medidas de mitigação descritas na etapa 4 e às mudanças no ambiente de informações resultantes dessas medidas. Mesmo que certos conteúdos sejam banidos ou contas que espalham desinformação sejam removidas, os manipuladores geralmente encontram maneiras de contornar essas mudanças. Eles podem criar novas contas, usar linguagem através de códigos, alterar o material de áudio e vídeo e repetir narrativas já identificadas como questionáveis pelas plataformas.
É importante observar que, mesmo que não haja evidências de adaptação tática ou estratégica, isso não significa que os operadores não tenham se adaptado. As campanhas de manipulação de mídia geralmente são secretas, o que significa que os manipuladores podem ter se aprimorado em esconder suas atividades. Contudo, se a etapa 5 incluir uma adaptação bem-sucedida ou uma redistribuição das táticas, um novo ciclo da campanha pode começar, com as ações da etapa 5 se transformando na etapa 1 de um novo ciclo.
Como documentar
A maneira mais fácil de documentar é dissecando ainda mais a campanha, após entender como elas funcionam a partir do ciclo de vida. Isto acaba dando uma visão mais panorâmica do objetivo dos idealizadores e pode auxiliar na etapa de mitigação, vista anteriormente.
Para ajudar neste processo, vamos fornecer uma planilha de mapeamento de impacto, que ajudará você na investigação. Em cada coluna dessa planilha, você deverá informar qual o tema da campanha, em quais canais foi disseminada a notícia, as táticas usadas, o nível de escala, o impacto que causou (quantas pessoas foram alcançadas, em média) e quais eram os objetivos da campanha.
As etapas de mapeamento, bem como a descrição das técnicas e categorias a serem consideradas foram definidas pela equipe do TaSC e publicadas no “Media Manipulation Casebook” . Sugerimos que você faça a leitura da descrição das estratégias, táticas, canais utilizados para campanhas de desinformação de demais variáveis (disponível em inglês), antes de seguir com o preenchimento da planilha de mapeamento.
Vamos usar como exemplo de preenchimento a falsa notícia de que o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, pretendia fechar o Congresso com a ajuda do STF (Supremo Tribunal Federal). Nesse exercício vamos olhar para as informações, ou seja, o que considerar como uma evidência útil para inclusão na planilha. O arquivamento das informações, devem seguir a padronização sugerida no Media Manipulation Casebook, como veremos no exemplo.
A reportagem da Milena Mangabeira para o Aos Fatos já está checada, logo, todo o trabalho envolvendo os detalhes da campanha já foi feito. Para fins didáticos, vamos ver como incluir as informações na planilha.
Na coluna campanha, deve ser informado sobre o que é essa campanha. No caso do exemplo, é sobre a desinformação relacionada ao PL 2.630 – o PL das Fake News.
Na coluna canais apontamos em quais canais (redes sociais, sites, etc) foram disseminados a campanha. A reportagem nos mostra que a notícia estava circulando no Facebook, WhatsApp e Twitter, sendo neste último a origem da postagem.
Para essa campanha, foram usadas informações fora de contexto, o qual leva a crer que o ministro Flávio Dino estaria querendo fechar o legislativo com apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), sugerindo um golpe de estado, quando, na verdade, o ministro apenas mencionava as outras possibilidades de garantir a regulação das plataformas digitais caso o “PL das Fake News” não fosse aprovado pelo Congresso. A tática portanto é a de “Mídia recontextualizada”.
Este tipo de informação, a princípio, tem uma importância nacional, apontando o nível de escala que os idealizadores queriam.
A ação que iniciou no Twitter a partir do deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS), teve um alcance de cerca de 7 mil compartilhamentos, chegando no Facebook com ao menos 10 mil compartilhamentos, sem contar o WhatsApp, que é mais difícil de mensurar. Esse impacto é classificado como “adoção política”, que ocorre quando uma entidade política (político, partido político, etc.) adota ou coopta uma frase, termo, questão, ideia ou movimento para promover um objetivo político ou moldar uma narrativa específica.
Por fim, o objetivo era influenciar a opinião e atitude da sociedade sobre o assunto e causar inquietação social, fazendo com que as autoridades tenham que se posicionar publicamente para desmentir a informação, o que aconteceu neste caso. A esse fenômeno damos o nome no maepamento de “Reconhecimento por alvo”.
Perceba que quando olhamos para a notícia com as etapas mais destrinchadas, a partir do mapeamento da planilha, facilita encontrar meios de mitigação (4ª etapa do ciclo de vida) dessas notícias.
É claro que esse é um dos processos básicos para rastrear desinformação. O tempo investigativo pode ser maior ou menor a depender do tanto de redes envolvidas, o que implica na dificuldade em encontrar a origem (semente). Sugerimos que você pratique com outras notícias de sites de checagem ou até mesmo com alguma informação suspeita que chegue até você por algum dos meios já apresentados anteriormente. E, não menos importante, não deixe de se proteger durante a investigação.
Referências
How to Track Disinformation Networks. Tactical Tech, 2022.
Media Manipulation Casebook . Technology and Social Change, 2022
The Lifecycle of Media Manipulation. Data Journalism.
Identificando Websites de Desinformação no Brasil. UFMG, 2022.
É falso que Flávio Dino disse que vai fechar Congresso com apoio do STF. Aos Fatos, 2023.