Investigação online com fontes abertas – Encontrando a verdade em um mundo pós-verdade

Geolocalização de fotos tiradas por apoiadores do Estado Islâmico, imagens da Europol de locais onde ocorreram abuso infantil e verificação de vídeos publicados por autoridades russas. Esses foram só alguns exemplos da atuação do coletivo de jornalismo Bellingcat apresentados por seu fundador e presidente-executivo, Eliot Higgins. O keynote ocorreu durante a V Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais (Coda.Br), no dia 5 de novembro, às 16h30.

O Bellingcat é um coletivo independente internacional constituído por pesquisadores, investigadores e jornalistas cidadãos que realizam investigações em redes sociais e fontes abertas. Seus objetos de investigação variam desde crimes contra a humanidade até o rastreamento do uso de armas químicas e conflitos em todo o mundo. O coletivo conta com uma comunidade virtual extremamente engajada, nos mais diferentes níveis de interação, entre seguidores nas redes sociais, voluntários e colaboradores frequentes.

Com o crescimento exponencial da oferta de dados disponíveis online e o surgimento do big data, se tornaram muito populares as investigações que analisam grandes bases de dados, utilizando linguagens de programação para executar o fluxo de trabalho com esses dados. Apesar de também se apoiar tecnologias avançadas, o Bellingcat tem uma abordagem um pouco diferente: sua principal fonte de inteligência é a OSINT – open source intelligence – ou, em português, inteligência com fontes abertas. A OSINT consiste no conhecimento produzido por meio de dados e informações disponíveis e acessíveis a qualquer pessoa.

Eliot explicou que o trabalho do coletivo acontece em três partes: identificar, verificar e amplificar. Primeiro, eles identificam o conteúdo a partir de publicações nas redes sociais, pesquisas em bases de dados ou em qualquer outra fonte online. Em seguida, cruzam as referências do material obtido com outras fontes, como o Google Earth e o Google Street View, além de fotos e vídeos postados online com tags de geolocalização. Por fim, amplificam os resultados da investigação por meio de artigos, documentários, podcasts ou, dependendo do que descobriram, até mesmo submetendo documentos a um tribunal para um processo legal.

Trabalhando em funções de administração e finanças para empresas, Eliot não tinha nenhuma experiência com investigação até o seu interesse por história e os acontecimentos no Oriente Médio ter evoluído para ações investigativas – especialmente inspiradas pela Primavera Árabe e o uso da Internet durante esse período (entre 2010 e 2012). 

“Eu estava frustrado que a grande mídia não estava olhando para essas coisas. Ou se olhava era sempre tipo: ‘não sabemos se isso é verdade’, ‘não sabemos se isso é real’. O que parecia informação realmente interessante sendo ignorada”, disse.

Assista com tradução simultânea do inglês para português

Rastreando apoiadores do Estado Islâmico na Europa

Durante o keynote, o fundador do Bellingcat apresentou diversos casos investigados pelo coletivo, além de como foram conduzidos e quais foram seus impactos. 

Em maio de 2016, uma série de apoiadores do EI postaram fotos de mensagens em apoio à organização, tiradas em grandes cidades europeias. A campanha nas redes sociais ocorreu em razão de um discurso iminente do porta-voz do EI Abu Mohammed al-Adnani. 

Então, diretamente do Twitter, Eliot convocou a comunidade de apoiadores do Bellingcat a obter a geolocalização exata dessas imagens. Essa ação recebe um nome específico em inglês: crowdsourcing, a prática de obter informações ou contribuições para uma tarefa ou projeto ao utilizar o serviço de um grande número de pessoas, geralmente pela Internet. É também um uso bem popular da inteligência coletiva nas atividades do coletivo de jornalismo.

https://twitter.com/EliotHiggins/status/734129053670723584?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E734129053670723584%7Ctwgr%5Eshare_3&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.bellingcat.com%2Fnews%2Fmena%2F2016%2F05%2F22%2Fisis-had-a-social-media-campaign-so-we-tracked-them-all-down%2F

Quatro imagens foram investigadas e três delas foram geolocalizadas corretamente em apenas dez minutos. A última deu um pouco mais de trabalho, mas dentro de uma hora já tinha sido geolocalizada. No caso da foto tirada na Alemanha, uma fonte crucial foi um site que registra onde estão expostas, no espaço público, as publicidades das empresas. 

Por isso, Eliot ressaltou que nem sempre apenas as ferramentas mais óbvias, como o Google Earth, irão solucionar o caso. Às vezes, são necessários “o tipo de website mais obscuro ou coisas estranhas que você pode nunca ter pensado sobre”.

Ao final de tudo, a campanha promovida pelo Estado Islâmico nas redes sociais acabou se tornando uma notícia sobre como os apoiadores do EI acabaram revelando informações sobre suas localizações, incluindo endereços residenciais e, talvez com câmeras de circuito fechado de TV, suas identidades. 

“Não se trata apenas de provar ou desmascarar algo, você pode realmente mudar a narrativa da mídia em torno de algo”, concluiu Eliot.

Transparência do método atrapalha investigações?

Ao final da apresentação, o jornalista conversou com a co-fundadora da Escola de Dados Natalia Mazotte e respondeu as perguntas do público. 

Respondendo se a divulgação de como conduzem as investigações pode acabar ‘preparando’ seus futuros alvos para não serem expostos, Eliot reforçou que a transparência é parte essencial do trabalho do coletivo. “Nós temos que ser transparentes sobre o que fazemos para fazer o caso de que o que estamos falando não é apenas nós dando nossas opiniões, mas é baseado em examinar essas imagens com muito cuidado”, contou.

Outro ponto a favor da divulgação dos métodos do Bellingcat, levantado por seu fundador, é o de que a comunidade de investigação com fontes abertas ainda é muito pequena. Por isso, eles esperam que o maior número de pessoas possível possa aproveitar o trabalho que realizam e passem a atuar na área também, aumentando a qualidade das investigações e cobrindo muito mais temas e regiões do mundo. 

Apesar das parcerias recentes com colaboradores da América Latina, o Bellingcat ainda não formou uma no Brasil. Mas, Eliot incentivou que os interessados e interessadas comecem a explorar a área. Em breve, o grupo irá lançar uma plataforma para facilitar a colaboração de voluntários de todo mundo.

Para se inspirar, dá para ver alguns casos desvendados pela comunidade do Bellingcat:

A Beginner’s Guide to Geolocating Videos

The Russian Ministry of Defence Publishes Screenshots of Computer Games as Evidence of US Collusion with ISIS

Creating Impact: A Year On Stop Child Abuse —Trace An Object

A Brief Open Source History of the Syrian Barrel Bomb

Geolocating the Location Where the Syrian “Caesar” Photographs Were Taken

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Eliot Higgins

É o fundador e presidente-executivo do Bellingcat, o coletivo de jornalismo investigativo responsável por descobrir delitos em todo o mundo. Fundado em 2014 com HQ na Holanda, ele tem 18 funcionários e mais de 30 colaboradores em todo o mundo. Pioneiros do jornalismo de fontes abertas, sua pesquisa forense de dados disponíveis publicamente e “análise cidadã-jornalista” usa técnicas como geolocalização para apontar localizações exatas por meio de imagens de satélite para corroborar ou refutar afirmações.

Natália Mazotte

Natália Mazotte

É jornalista e consultora especializada em dados e tecnologia. Recebeu em 2019 a bolsa John S. Knight em Stanford. É diretora da Abraji e foi diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, onde liderou projetos premiados de inovação cívica e capacitação em uso de dados para impacto social. Co-fundou a Escola de Dados e a Gênero e Número, startup de jornalismo de dados com foco em gênero, e criou a Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais (Coda.Br). É instrutora em cursos do Centro Knight, da Universidade do Texas.

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