Desafios da cobertura jornalística sobre justiça climática

SOBRE A RODA DE CONVERSA

Texto por Isis Reis

 

Na última leva de atividades do Coda Amazônia, os jornalistas Rafael Moro e Wellington Frazão conduziram uma roda de conversa sobre os desafios de cobrir temas relacionados ao clima na Universidade do Estado do Pará, no Campus Salvaterra, na Ilha do Marajó.

Wellington Frazão iniciou a roda se apresentando. Ele faz parte do coletivo de comunicação popular Periferia em Foco, que atualmente conta com uma coluna no jornal O Estado de São Paulo. 

O jornalista avalia que é necessário adotar uma postura de falar para todos os territórios e replicar as informações de maneira didática, para que todos entendam o que é mudança climática e o que é COP.  Ele também sugere uma análise de consciência sobre quais impactos a crise climática inspira, e ressalta que amazônidas devem estar no centro da discussão sobre a região.

Com o anúncio da COP 30 em Belém, a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças de Clima do ano de 2025, Wellington indica que uma grande quantidade de recursos financeiros está sendo destinada à cidade, mas questiona como eles serão redistribuídos e revertidos em melhorias como saneamento básico para os bairros que necessitam.

 

 

Focado no contexto urbano e periférico, Frazão faz ainda uma crítica à agenda de notícias de jornais locais sobre o desabastecimento de água enfrentado por certas regiões de Belém, nas quais o fornecimento de água demora até cerca de cinco horas para voltar. “É um argumento para a privatização”, denuncia.

Já Rafael Moro, repórter especial do Sumaúma em Brasília, explica o contexto de criação do veículo. Inaugurado há menos de um ano, o projeto foi gestado por jornalistas mulheres, como Eliane Brum, Talita Bedinelli e Verônica Goyzueta. 

A ideia do Sumaúma é fazer jornalismo sobre crise climática a partir da Amazônia, mas Rafael está baseado em Brasília, para cobrir as questões do Planalto com um olhar de Amazônia. “Eliane Brum costuma dizer que para cobrir o assunto, é necessário se amazonizar no processo”, afirma, mas comenta também que é um retrato do que é um jornalista brasileiro branco, homem, do sul, em sua percepção sobre a Amazônia, no sentido de ainda não haver tanta intimidade com a região. “Há mais para aprender do que para trazer nessa roda de conversa”.

A partir de perguntas do público, Frazão comenta sobre os desafios de manter um veículo independente. “Não temos financiamento, buscamos editais”, conta. E ressalta a importância da valorização da pauta positiva para assuntos relacionados à periferia. “‘Violência mostra uma Cabanagem nada heroica’ foi uma manchete do jornal da família do governador. Em abril de 2017, conseguimos emplacar uma manchete que dizia ‘Esquinas do bairro Cabanagem viram palco para projeto social'”. 

Rafael destaca a semelhança com a cobertura midiática de favelas na região Sudeste. “O jornalismo só sobe o morro quando tem tiroteio. Sobe com colete à prova de balas e desce com a polícia”, indicando a ausência de pessoas faveladas nas redações. “Na UFPR, onde estudei, só dois alunos eram negros. As redações ainda são muito brancas”. A Cristivan Alves, jornalista quilombola que participou do painel de abertura das atividades em Salvaterra, Moro perguntou como ele se sente com a Globo cobrindo o Marajó, por exemplo.

Cristivan, por sua vez, respondeu que sua primeira ideia sobre ser jornalista veio a partir do Movimento Negro, porque a crítica sobre a ausência de pessoas negras no telejornalismo era uma pauta da época. Mas conta que, na universidade, após conhecer um modelo de jornalismo mais comercial, acabou optando por um caminho na comunicação contra-hegemônica, junto à Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH) e ao jornal Resistência. 

“A gente criou um movimento em Belém para os comunicadores populares contra-hegemônicos. Temos que criar um mecanismo para reunir essa galera do Marajó, no momento em que estamos. Já proponho criarmos um coletivo voltado para a comunicação comunitária voltada para direitos humanos no Marajó”, defendeu Cristivan.

 

 

Já Matheus Adams, jovem marajoara que também participou anteriormente do painel do dia, completou: “quando estamos falando de Marajó, estamos falando de 17 municípios com uma população que vai de 14.000 a 25.000 pessoas. Estive num encontro de jovens de 17 municípios e não há uma pauta comum, mas faço das minhas palavras as suas a ideia de conectar para comunicar”. Ele ressalta também a necessidade de se combater a desinformação na Amazônia e afirma que realidades deturpadas criam estereótipos prejudiciais para a população.

Wellington concorda. “Nós, que moramos aqui, sabemos das potencialidades do Marajó. Mas quando se fala daqui se pensa logo no Melgaço, no pior IDH, mas tem coisa boa aqui. Eu acho que temos que amplificar as potências. Não é só o búfalo, vai muito além”.

O jornalista Thiago Medaglia, participante da sessão que estava presente na atividade “Marajó nos mapas” e diretor do projeto Ambiental Media, comenta que não conhecia a visualização do Climate Central apresentada na dinâmica anterior, que mostra os impactos das mudanças climáticas no Marajó. “Acho que temos que deixar claro que o Marajó tem que estar no centro do debate ambiental sobre o Brasil”, conclui.

Izabel Miranda, primeira marajoara a se formar pela PUC Goiás, contou que após seu período na PUC quis voltar para o território porque o que aprendeu não pode ficar só para ela. E afirmou que voltar para o Marajó para compartilhar os aprendizados era muito importante, assim como o encontro que estava acontecendo.

A conclusão da conversa foi marcada por uma fala de Cristivan, que fez uma observação sobre a centralização dos discursos da COP 30, indicando que as discussões ficarão restritas ao centro da cidade, mas que os grandes projetos estão acontecendo em todo o estado do Pará. Ainda completou advertindo que algumas lideranças se autodeclaram defensoras da Amazônia, mas há anos não dialogavam com quilombolas. “Para a COP, eu sugiro a gente botar 5.000 quilombolas e fechar as principais vias de Belém”, finalizou.

REFERÊNCIAS

Sem referências.

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Rafael Moro

Repórter especial de Sumaúma em Brasília. Foi editor sênior e repórter especial no Intercept Brasil, e participou integralmente da série de reportagens Vaza Jato. Colaborou com veículos como revista piauí, Valor Econômico, UOL, Agência Pública e Folha de S.Paulo. Integrante da Agência Livre.jor, que produz jornalismo independente a partir da Lei de Acesso à Informação.

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Wellington Frazão

Jornalista, comunicador popular, coordenador da mídia comunitária de Belém Periferia em Foco e mestrando em comunicação (UFPA). O Periferia em Foco integrou em 2021/2022 um projeto de comunicação popular nacional, no jornal O Estado de São Paulo (Estadão), onde pode mostrar para o Brasil a potencialidade da periferia da Amazônia paraense. É um dos escritores do livro “Novos Rumos da Comunicação Comunitária no Brasil”, onde contextualiza experiências de comunicação popular na região. E, desde abril de 2023, é colunista do Jornal Amazônia.

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