Marajó no(s) mapa(s): usando dados para fortalecer lideranças ribeirinhas e quilombolas no ciclo das políticas públicas

SOBRE O WORKSHOP

Texto por Isis Reis

 

O workshop conduzido pelo jornalista Marcelo Soares, do Lagom Data, e pelos ativistas Bianca Barbosa, João Victor Meireles e Luti Guedes, do Observatório do Marajó, começou com uma pergunta simples: o que os dados sabem?

A partir desse questionamento, Marcelo exibiu um gráfico de barras com a quantidade de habitantes dos municípios da Ilha do Marajó, de acordo com o IBGE, nos últimos 20 anos. Com rankings feitos a partir dessas barras, era possível gerar uma animação que revelava, ano a ano, os municípios mais populosos da ilha. 

Esse foi o mote para uma explicação sobre o conflito na produção dos dados habitacionais da região: o IBGE só vai nas cidades a cada dez anos e nos anos de intervalo faz apenas uma projeção matemática baseada nos achados dos dez anos anteriores. 

 

 

Com recursos financeiros insuficientes para a contratação de um número adequado de recenseadores em áreas mais longínquas, a produção de dados não é precisa. Áreas indígenas, por exemplo, tendem a ser algumas das mais afetadas, e os recursos municipais, por sua vez, também são impactados por conta da mensuração imprecisa.

Um outro gráfico exibido para os participantes abordou a quantidade de trabalhadores da Ilha do Marajó. Segundo os dados da RAIS, em Salvaterra, um dos municípios da ilha, apenas 1.308 pessoas trabalham. O número mostra apenas os trabalhadores de carteira assinada, o que significa que o governo não contabiliza as demais atividades remuneradas. “É como se só 1 a cada 20 pessoas em Salvaterra trabalhasse. E isso influi nas políticas públicas”, completa Marcelo.

Dados influenciam decisões, mas decisões são feitas a partir do que sabemos – e o que sabemos é sempre precário. Dados também são fontes, e quando estamos lidando com uma base de dados, é importante verificar também qual sua fonte, de onde está saindo aquilo que ela está te informando e por que aquela informação está sendo produzida. 

“Uma maneira de descrever a realidade, uma linguagem quantitativa (não só), para organizar aspectos da realidade que alguém decidiu mensurar”. É assim que Marcelo define dados, revelando também o caráter narrativo dos mesmos. Assim como caricaturas, os dados podem fazer com que certas características sejam acentuadas para diversos fins. Além disso, os dados só vão mostrar o que foi previamente “perguntado”. A depender das perguntas, é possível que muitos aspectos relevantes fiquem de fora das respostas que produzem os dados que estão numa base. 

Com exemplos de dados sobre mortes de bebês durante a pandemia, de evolução de religiões no Brasil, o jornalista pincelou alguns aspectos importantes sobre o processo de produção de dados e o que se omite e se revela a partir deles. 

Mas por que trabalhar com dados? Segundo Marcelo, é importante trabalhar com dados para saber o que estão falando sobre um assunto, para falar a mesma língua e poder responder. Parafraseando o economista e ex-ministro Celso Furtado, dados estatísticos são tão importantes, que se eles não existirem é necessário inventá-los.  

E por que visualizar os dados? Alguns gráficos podem literalmente parar o mundo, como o gráfico da curva de achatamento do contágio de Covid-19, no início da pandemia. Outro exemplo de visualização impactante foi o mapa de John Snow que se tornou um clássico da visualização de dados, revelando como o médico conseguiu mapear um foco de cólera no bairro Soho, em Londres, na década de 1850.

Ilustrando como a visualização de dados é uma arte antiga, foram exibidos alguns gráficos de W.E.B. Du Bois que datam do final do século XIX e indicam as profissões de negros e brancos na Georgia, nos EUA; a população rural urbana; o valor das propriedades, com o uso de paletas de cores que remetem às tonalidades de tecidos africanos.

Outro resgate histórico foram mapas feitos por Josué de Castro em 1946, que servem para pautar a discussão sobre a questão da fome no Brasil até hoje. As visualizações produzidas pelo médico revelam diferenças regionais no consumo de alimentos e áreas de fome endêmica, fome ocasional e subnutrição.

Na atividade, foi apresentado um gráfico da revista The Economist de 2020 que mostra o aquecimento global dos últimos 2000 anos e o impacto da atividade industrial sobre a elevação das temperaturas no planeta. 

Uma visualização impactante também abordou o próprio município de Salvaterra, indicando que se o aquecimento global fizer com que o nível de água nos oceanos suba um metro, a água do mar chegará até a esquina da Universidade Estadual do Pará, onde a atividade estava sendo realizada. 

 

 

A partir dessa constatação, os ativistas do Observatório do Marajó trouxeram algumas informações para contextualizar o público sobre a ilha e a organização: Marajó é o maior maretório do planeta, maior do que muitos estados do Brasil, e é um desafio fortalecer redes de lideranças locais para garantir mais participação nas políticas públicas locais. 

Atualmente, o Observatório utiliza mapas para ajudar na atuação em coalizão e em rede e participa de uma gincana quilombola com o Coletivo Abayomi, com atividades sobre dados. Segundo Luti Guedes, os mapas têm sido a linguagem utilizada pelos ativistas da organização como um elemento de identidade do território. Durante a pandemia, no contexto do lançamento do Observatório, eles fizeram mapas indicando o preço do ovo e da gasolina nos municípios da ilha. 

Ao fim da atividade, Luti, Bianca e João compartilharam 3 mapas locais, contextualizaram seus usos e propuseram uma dinâmica de colaboração para ativar a inteligência coletiva e incitar provocações sobre os aspectos de coleta, visualização e comunicação a respeito dos mapas abordados.

 

REFERÊNCIAS

em breve.

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Luti Guedes

Diretor executivo do Observatório do Marajó, iniciativa cidadã para fiscalização de dados, indicadores e políticas públicas da região.

marcelosoares

Marcelo Soares

Fundador do estúdio de inteligência de dados Lagom Data, é um dos pioneiros do jornalismo de dados no Brasil. O estúdio colabora com diversas entidades do terceiro setor e meios de comunicação de todos os portes. Anteriormente, o jornalista trabalhou para jornais como Folha de S.Paulo e Los Angeles Times. É membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ).

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