Agenda alimentar: como dados podem pautar e humanizar esse debate com perspectiva de gênero, raça e região
SOBRE O WORKSHOP
Texto por Anicely Santos
Revisado pela Escola de Dados
Vitória Régia, diretora de conteúdo na Gênero e Número, abriu a oficina explicando um pouco sobre a organização em que atua. A Gênero e Número é uma organização sem fins lucrativos que produz, analisa e dissemina dados especializados em raça, gênero e sexualidade com o propósito de impulsionar o debate sobre equidade e embasar o discurso de mudança. A partir de linguagem gráfica, conteúdo audiovisual, pesquisas, relatórios e reportagens multimídia, ela pretende alcançar e informar a audiência interessada nessa perspectiva.
Seguindo com a apresentação, a palestrante mostrou como é aplicado o jornalismo de dados dentro da organização. As produções passam por diferentes etapas: pesquisa, levantamento, limpeza, checagem e análise de dados.
A cada ponto, foi possível visualizar alguns projetos realizados – como o projeto Racismo à brasileira, que reúne casos de racismo que marcaram pessoas negras e o impacto gerado na vida delas; o Open box da ciência, que mostra quem são as mulheres que estão fazendo ciência no Brasil; e a pesquisa Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, que apontou como a pandemia impactou a vida de mulheres, sobretudo as negras, no que diz respeito ao trabalho; entre outros.
Caminho a seguir no trabalho com dados
Para Vitória, dados são fontes. Os dados não são neutros ou puramente objetivos, eles traduzem visões de mundo. Em suma, não há nada dado nos dados. Dados são sempre construídos e, por serem construções humanas, assim como nós, estão sujeitos a erros de diferentes tipos. Por isso a importância de ter isso em mente ao analisá-los.
Neste sentido, ela deu as seguintes dicas para seguir um caminho linear ao trabalhar com os dados:
– Comece definindo a pergunta ou o tema: defina um foco inicial para orientar a coleta e análise de dados. Uma questão principal ou assunto que se deseja investigar e explorar. Isso ajuda a direcionar seus esforços e a estrutura do seu projeto de dados.
– Encontre a base de dados: localize e acesse um conjunto de dados que contém as informações relevantes para sua pergunta ou tema. Por exemplo, se sua pergunta é sobre violência contra mulher, procure bases de dados que contenham informações sobre estatísticas criminais, pesquisas de saúde, artigos etc. Essas bases de dados podem ser públicas ou privadas, e estar disponíveis em organizações de direitos humanos, universidades, órgãos públicos etc.
– Obtenha e verifique os dados: baixe, acesse ou colete os conjuntos de dados que você encontrou e avalie a qualidade e a confiabilidade dos dados coletados.
– Limpe os dados: é possível que os dados baixados venham com algum tipo de “sujeira”. É importante que você prepare os dados para análise, eliminando ou corrigindo erros, inconsistências e elementos desnecessários.
– Analise os dados: examine, transforme e modele os dados com o objetivo de descobrir informações úteis, tirar conclusões e apoiar a tomada de decisões.
– Apresente os dados: comunique os resultados da sua análise de maneira clara, concisa e eficaz para o público-alvo.
Esse caminho ajuda bastante a organizar um projeto de dados de maneira que você não perca o foco inicial e saiba exatamente o que fazer a cada passo.
Dados sobre agenda alimentar
Pensando em alimentação, que foi o objetivo da oficina, onde encontrar então bases públicas relacionadas a este tema?
A palestrante indicou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) / 2017-2018. Nesta base, estão disponibilizadas: a classificação das famílias segundo situação de segurança alimentar ou níveis de insegurança alimentar; as estruturas de aquisição e despesas com alimentação; e as características sociodemográficas e de rendimentos da população.
Já no que diz respeito aos microdados, é possível encontrar despesas e rendimentos das famílias, como alimentação, transporte e lazer; avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos; análise de consumo alimentar pessoal; análise de segurança alimentar; e indicadores de qualidade de vida.
Dentro desse universo de dados, Vitória deu dicas de como identificar quais dados são mais importantes para uma pesquisa relacionada ao assunto:
- Leia o dicionário e o questionário da base de dados: entenda a estrutura, o conteúdo e o contexto do conjunto de dados. Para isso, o dicionário é um documento que descreve cada variável no conjunto de dados, e o questionário detalha as perguntas usadas para coletar os dados;
- Compare-os com anos anteriores, se possível: isso ajudará a identificar mudanças e tendências ao longo do tempo;
- Cruze os dados com as variáveis de gênero, raça, orientação sexual e identidade de gênero: isso permite uma análise mais detalhada e completa, revelando como diferentes fatores podem interagir e impactar nas experiências e resultados de diferentes grupos de pessoas. Também vale aqui comparar com anos anteriores;
- Entreviste os dados e faça perguntas: trate os dados como se fossem fontes de informação a serem interrogadas para obter respostas. Esse processo é essencial para obter uma compreensão detalhada dos dados e para garantir que a análise seja direcionada e eficaz.
Como construir uma narrativa (storytelling) a partir de uma base de dados?
A maneira como você vai comunicar as descobertas é tão importante quanto os processos anteriores para se descobrir algo. Tudo começa nos dados, mas precisamos de contexto e histórias para engajar a audiência. Sendo assim, é interessante:
– encontrar bons personagens;
– ouvir especialistas e referências no tema para dar contexto;
– contar com recursos visuais (vídeo, fotos, etc);
– simplificar os dados a partir de taxas, comparação e médias;
– visualizá-los através de gráficos, mapas, redes, linhas do tempo etc.
Para exemplificar todos os passos falados até aqui, Vitória utilizou o projeto Caminhos da alimentação. Com base nos dados da POF, alguns achados para o projeto foram:
– a classificação das famílias chefiadas por mulheres no contexto de segurança/insegurança alimentar;
– a classificação dos alimentos disponíveis na base (in natura, culinários processados, processados e ultraprocessados);
– o que é mais consumido por região (cruzando com base de dados de territórios, por exemplo), e a renda média das famílias (cruzando com dados de renda e grupo populacional).
Esses cruzamentos geraram uma base de dados nova que pode informar o total de alimentos consumidos a partir das suas classificações.
E claro, depois de muitas perguntas feitas aos dados, foram gerados inúmeros conteúdos que podem ser visualizados dentro do projeto.
LOCAL
Laboratório 101
NÍVEL
Básico.
REFERÊNCIAS
Vitória Régia da Silva
É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. É Presidente e diretora de conteúdo da Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos com jornalismo de dados e cobertura especializada em gênero, raça e sexualidade. É uma das autoras do livro “Capitolina: o mundo é das garotas” (ed. Seguinte) e colaborou com o livro “Explosão Feminista” (Ed. Companhia das Letras) de Heloisa Buarque de Holanda.
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