Lightning Talks

Tradição na Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais (Coda.Br), as apresentações relâmpago (Lightning Talks) encerram a quinta edição do evento trazendo apresentações de projetos inovadores e inspiradores, feitos por pessoas participantes do encontro.

Neste ano, foram apresentados cinco trabalhos, distintos em seus formatos e objetos de análise, mas semelhantes em um ponto crucial: transformar informações de interesse público em dados acessíveis a todos. Ao final, os representantes de cada projeto respondem perguntas do público e debatem sobre os desafios relacionados ao trabalho com dados.

Dados abertos em Feira de Santana

A engenheira de software Ana Paula Gomes abre a rodada de apresentações contando como começou a iniciativa Dados Abertos de Feira, um site de código aberto (open source) que visa trazer mais transparência aos dados do município de Feira de Santana, na Bahia. Morando na Alemanha há três anos, Ana Paula conta que a origem do projeto foi despretensiosa: a baiana queria se manter próxima à sua cidade e, por isso, passou a acompanhar o noticiário local.

Uma matéria sobre o paradeiro das merendas das escolas públicas do município motivou sua procura por informações a respeito das licitações do governo municipal no Portal da Transparência da Prefeitura de Feira de Santana. Foi nesse momento que a engenheira constatou uma realidade infelizmente comum a muitas cidades do Brasil: os dados públicos não eram transparentes.

Com o objetivo de mudar essa realidade e facilitar o acesso das pessoas, Ana Paula fez uma raspagem dos dados utilizando Python e publicou o resultado em um site. Inicialmente com uma interface simples, ela conta que a página “começou um movimento para poder trazer mais transparência e mais visibilidade a como os dados eram tratados no município”. A partir disso, o projeto foi ganhando notoriedade, colaborando com jornalistas e procuradores do Ministério Público em investigações. Após um ano, a iniciativa já está mais robusta e conta com uma equipe multidisciplinar, além de alguns aprendizados pelo caminho. “A gente aprendeu que é preciso entender a dinâmica das coisas na cidade e se adaptar muito rápido”, afirma. “As pessoas precisam de uma resposta rápida para poder se engajar com certos temas.”

Transparência nos dados: questão de saúde pública

Ideias de como democratizar informações públicas a partir do uso de código aberto (open source) não faltaram nesta edição das conversas relâmpago. Nesta segunda apresentação, o jornalista Cristiano Martins conta sobre o projeto Coronavírus MG, uma iniciativa que reúne informações detalhadas sobre os casos e mortes pela Covid-19 em Minas Gerais.

A ideia partiu do interesse do jornalista em obter dados detalhados sobre o avanço da doença nos 853 municípios do estado. No dia 8 de março de 2020, início da pandemia, ele foi atrás da Secretária de Estado de Saúde de Minas Gerais solicitar as informações. Cristiano recebeu de volta os dados em .pdf. Quando retornou pedindo uma previsão para liberarem os dados em formato aberto como o .csv, os assessores perguntaram: “Mas o que é um .csv?”

O jornalista destaca que Minas tem particularidade muito importante, sobretudo se tratando de coberturas locais: é o estado com o maior número de municípios do país. Esse foi um dos fatores determinantes para a criação da plataforma. “Se a pandemia tiver um aumento nesse ritmo que a gente tem visto, em pouco tempo vai ser impossível acompanhar por .pdf”, pensou na época.

Para resolver isso, o jornalista criou o site Coronavírus-MG.com.br, com mapas interativos e diversas segmentações detalhadas. Além disso, a página também disponibiliza planilhas com todas as informações contidas no site, facilitando o uso dos dados. “Mais importante que ter o mapa é ter a base aberta”, pontua. Dessa forma, Cristiano pôde colaborar com a cobertura da pandemia em diversos municípios, impactando principalmente as cidades mais afastadas dos grandes centros urbanos.

O saldo da desigualdade em uma crise

Outra iniciativa que utilizou a pandemia da COVID-19 como ponto de partida foi a terceira apresentação do prêmio. Maria Martha Bruno de Arruda, diretora de conteúdo da Gênero e Número, comenta sobre a Pesquisa Sem Parar: O trabalho e a vida das mulheres na pandemia, uma parceria da Gênero e Número com a Sempreviva Organização Feminista. A pesquisa faz parte de uma série de conteúdos produzidos pela organização neste período que tem como objetivo “mostrar que esse debate sobre gênero e raça é um trabalho central em qualquer momento de crise”.

Realizada através de um pesquisa (survey) online, a pesquisa continha 52 perguntas e foi respondida por uma amostra representativa de 2,6 mil mulheres. Relações trabalhistas, renda, violência e tarefas domésticas fizeram parte dos tópicos abordados no estudo, onde foram aplicados recortes interseccionais como raça e local de moradia. “A gente resolveu produzir [esses] dados porque a gente sentiu que haveria uma carência para tirar uma fotografia desse momento.” 

Entre os resultados mais surpreendentes revelados pela pesquisa, está a constatação de que metade das mulheres precisaram cuidar de alguém durante a pandemia, inclusive de adultos saudáveis. Além disso, foi observado que mulheres de zonas rurais tiveram maior dificuldade para manter seus lares e que mulheres negras foram as mais afetadas pelo desemprego e pela violência doméstica.

Revolução digital das apostas

A quarta apresentação da tarde também partiu de um olhar sobre a pandemia, mas acabou parando em outro assunto: o Jogo do Bicho, o maior eSport do Brasil. A publicitária Polliana Cavalcanti conta que estava analisando as pesquisas do Google para entender o comportamento das pessoas, quando descobriu que o jogo do bicho era um dos 25 termos mais buscados no Brasil. Em buscas, ele ultrapassa até a procura pelas maiores franquias do segmento, como GTA, LOL e Counter Strike.

Para Polliana, embora à primeira vista esse dado pareça inusitado, é importante lembrar que o jogo do bicho existe desde o século XVIX. “Mesmo sendo um negócio de 1892, ele passou por diversas tecnologias”, comenta a publicitária. Adaptando-se a tantas transformações, o “game” já está integrado às novas tecnologias. Hoje, não só o jogo do bicho é um dos termos mais buscados, como também cobra, touro e outros animais associados a ele. 

Visualização para quem?

Na última apresentação das conversas relâmpago (Lightning Talks), o professor da Federal de Pernambuco (UFPE), Rodrigo Cunha, exibe o projeto Visualização Háptica: como criar visualizações para que não pode ver? O projeto faz parte da pesquisa ele que desenvolve em parceria com a Universidad Politécnica de Madrid. Neste trabalho, Rodrigo mostra alternativas para tornar o jornalismo de dados acessível às pessoas com deficiência visual. Segundo o professor, a deficiência visual atinge 2.2 bilhões de pessoas no mundo, sendo 7.2 milhões só no Brasil.

A visualização háptica consiste em representar as informações de forma abstrata utilizando a percepção tátil ou dispositivos de retorno de força (force feedback), que permitam a interação do usuário. No entanto, ele pontua: “O jornalismo ainda está olhando pouco para esse meio”. De acordo com o professor, “ainda faltam estudos envolvendo jornalismo e acessibilidade”. 

Em mais um ano, a sessão de conversas relâmpago (lightning talks) apresenta trabalhos cativantes, que mostram as grandes mudanças que podem ser feitas com o Jornalismo de Dados e os dados abertos. Mas não se esqueça: no próximo ano, pode ser o seu projeto que vai inspirar pessoas a buscarem uma sociedade mais acessível e transparente.

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