Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados
Pelo segundo ano consecutivo, a Conferência de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais (Coda.Br) encerrou premiando os trabalhos que expressaram o que há de melhor na união entre tecnologia e informação, com a entrega do Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados. Os ganhadores deste ano foram os veículos Correio Braziliense, Época, Nexo e AzMina.
O Prêmio foi criado em 2019 com o objetivo de incentivar a excelência no uso de dados por jornalistas para questionar, analisar e investigar as questões que afetam a sociedade brasileira. Homenageando um dos pioneiros no jornalismo de dados e transparência pública no Brasil, a premiação busca fortalecer este campo de trabalho e a democracia brasileira.
Segundo a ex-presidente e atual conselheira da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Angelina Nunes, que conduziu o evento, Cláudio Abramo “fazia jornalismo de dados quando o termo ainda nem existia no Brasil”. Entre mais de 130 inscrições, o júri selecionou 12 trabalhos que mais se destacaram dentre as quatro categorias do prêmio: Dados Abertos, Visualização de Dados, Inovação e Investigação. Os finalistas apresentaram seus projetos e contaram para o público a motivação e o processo de produção dos trabalhos.
Dados abertos
O evento começou com a apresentação dos finalistas da categoria Dados Abertos, que avalia práticas de transparência, utilização de mecanismos como a Lei de Acesso à Informação (LAI), estruturação e disponibilização das bases de dados utilizadas. Além disso, foram considerados o impacto da abertura desses dados e a clareza a respeito da metodologia utilizada.
Os três finalistas foram os projetos “Correios nas escolas”, do Correio Braziliense, ganhador da categoria neste ano; “Abrindo dados de pensionistas de todo o Brasil pela primeira vez no século”, da Agência Fiquem Sabendo, ganhadora do prêmio no ano passado; e a reportagem “Punição: aposentadoria”, feita pelo The Intercept Brasil.
Angelina Nunes (Abraji), Maria Vitória Ramos (Fiquem Sabendo), Nayara Felizardo (The Intercept) e Ana Paula Lisboa (Correio Braziliense).
Ana Paula da Silva Lisboa, jornalista de educação no Correio Braziliense, comentou que o projeto “Correio nas escolas” foi o primeiro especial de jornalismo de dados que participou. A ideia era “mostrar o que existe de bom exemplo na rede pública por meio de grandes reportagens”.
Ana Paula esclareceu que, para evitar que apenas as escolas militares e os Institutos Federais do Distrito Federal tivessem destaque, a equipe estabeleceu um filtro nos dados por região, o que expandiu o número de colégios e localidades abordadas. Segundo a jornalista, a colaboração dos leitores foi muito importante para o projeto.
Já Maria Vitória Ramos, co-fundadora e diretora-executiva da Fiquem Sabendo, lembrou que a ideia de abrir dados de pensionistas começou em 2017, quando o co-fundador e advogado da Fiquem Sabendo, Bruno Morassutti, solicitou a publicidade dos pagamentos feitos a pensionistas do Governo Federal para o Tribunal de Contas da União (TCU).
Embora o tribunal só tenha acatado o pedido em setembro de 2019, a decisão gerou um feito histórico: pela primeira vez desde 1900, o governo foi obrigado a publicar esses dados. Segundo Maria Vitória, “a parte mais complexa foi a gestão dos próprios dados”. A jornalista conta que foram publicadas mais de 60 reportagens a partir dos dados obtidos.
Por fim, houve a apresentação do projeto do The Intercept. Motivada por investigar os casos de venda de sentença no seu estado, o Piauí, Nayara Felizardo produziu a reportagem “Punição: aposentadoria” durante mais de um ano. “Eu queria saber quanto era a média do preço [das sentenças] cobrado por magistrados”, disse.
A jornalista comenta que em virtude da dificuldade de acesso aos dados imposta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a reportagem demorou mais de um ano para ser feita. “Eles diziam que não tinham processos classificados com esse nome: ‘venda de sentença’”, conta. No entanto, segundo ela, o próprio site do CNJ havia usado essa nomenclatura. Nayara analisou 140 casos, após filtrar a base que recebeu com todos os magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça que respondiam a processos.
Após as apresentações, Angelina anunciou o projeto vencedor destacando: “Os trabalhos dessa categoria de dados abertos mostram a diversidade da produção jornalística brasileira, empenhada em contar histórias”.
Segundo o júri, o vencedor da categoria reuniu as boas práticas do jornalismo de dados ao utilizar a Lei de Acesso à Informação como uma ferramenta importante de transparência e promover mudanças diretas na comunidade com a abertura dos dados. O projeto “Correio nas escolas”, ao aplicar estes fundamentos em um tema com tanta relevância e impacto social quanto a educação, recebeu o prêmio da categoria.
Captura de tela do projeto “Correio nas escolas”.
Visualização de dados
A segunda categoria da noite, Visualização de Dados, avaliou o impacto da comunicação visual na transmissão da relevância da informação. Essa categoria busca destacar o quanto a visualização é capaz de comunicar os principais achados jornalísticos e envolver o público, considerando ainda a usabilidade dos gráficos.
Os projetos finalistas foram a matéria “Alagamento nos quatro primeiros meses de 2019 sobem 65% em São Paulo”, do Estadão; a reportagem “Distantes de UTIs e respiradores, indígenas da Amazônia tentam se blindar do vírus”, do InfoAmazônia; e “O cálculo de uma tragédia”, do Nexo.
As apresentações começam com jornalista e programadora front-end do Estadão, Mariana Cunha, contando sobre o processo investigativo da reportagem sobre alagamentos em São Paulo. De acordo com ela, os dados do poder público a respeito das chuvas na cidade não eram totalmente precisos. Com isso, a exatidão das informações fica comprometida e, consequentemente, as políticas públicas de prevenção aos alagamentos também, gerando impactos negativos na vida dos cidadãos. “Esse é um fator que eu não queria deixar de destacar na matéria, porque essa falha do fator humano acaba acarretando também em falhas no planejamento de obras da cidade”, apontou.
A segunda apresentação da noite mostrou o processo de produção da matéria “Distantes de UTIs e respiradores, indígenas da Amazônia tentam se blindar do vírus”, feita pelo InfoAmazônia. Segundo Juliana Mori, diretora de conteúdo do projeto, quando o sistema de saúde do Amazonas já estava em colapso por causa da pandemia da COVID-19, a equipe da plataforma percebeu que era necessário observar a questão indígena de perto neste período. “O problema de acesso à saúde era evidente nas zonas urbanas, e a gente tinha certeza que nas terras indígenas e na zona rural isso seria ainda mais grave”, relatou. Foi diante desse cenário que surgiu a ideia de calcular a distância entre as aldeias indígenas até as unidades básicas de saúde e os locais com respiradores.
O processo de busca por uma base que se adequasse ao problema que a matéria queria elucidar foi complicado, pois os dados que o InfoAmazônia tinha mapeavam apenas as terras indígenas e, nesse caso, eles precisavam de informações humanas.
Angelina Nunes (Abraiji), Lucas Gomes (Nexo), Mariana Cunha (Estadão) e Juliana Mori (The Intercept).
Por fim, Lucas Gomes, infografista do Nexo, contou que o projeto “O cálculo de uma tragédia” era parte de uma série do veículo exibindo as faces da crise do coronavírus. A ideia era mostrar a dimensão das mortes pela doença no Brasil, ressaltando os grupos mais afetados de uma forma impactante. Ele comentou que, pensando justamente nessa acessibilidade, o jornal deu enfoque na visualização para celulares – a principal fonte de acessos do Nexo. A partir de um plano inicial que consistia em representar cada pessoa morta por um ponto, a equipe chegou aos cálculos e percebeu que, no platô da epidemia no país, o Brasil estava perdendo um trem lotado de pessoas a cada dois dias. “O trem lotado é uma figura de linguagem muito poderosa”, contou.
Para escolher o projeto vencedor da categoria, os jurados consideraram o desafio que é para o jornalismo explicar de forma clara os dados que desenvolvem ao longo de um amplo período. “Como fazer então para que o leitor não se perca nas árvores, mas que ele consiga enxergar a floresta inteira?”, questionaram.
De acordo com o júri, a reportagem “O cálculo de uma tragédia”, vencedora da categoria, traz hoje o impacto da informação, contextualizando e familiarizando o público com a situação. “Amanhã, será o registro histórico de um período conturbado, mas que não deve ser perdido de vista.”
Captura de tela do especial “O Cálculo de uma tragédia”.
Inovação
A categoria Inovação celebra trabalhos de jornalismo de dados que experimentem com novas tecnologias ou formatos inovadores. Nesta segunda edição do Prêmio, concorreram os projetos de monitoramento social, como o Elas no Congresso (AzMina), Amazônia Minada (InfoAmazônia) e Radar Aos Fatos (Aos Fatos).
Angelina afirmou que, diante do sentimento de sobrecarga com um fluxo de informações cada vez maior, as plataformas construídas pelos veículos finalistas servem como “uma bússola em meio ao caos”. “Mais que isso, elas nos mostram que a inovação nem sempre precisa estar atrelada a uma tecnologia disruptiva e exclusiva. A inovação pode ser fruto também do trabalho coletivo sistemático que se debruça com cuidado e critério sobre um determinado campo”, concluiu.
O radar projetado pela agência de notícias Aos Fatos é uma ferramenta de monitoramento em tempo real do ecossistema de desinformação brasileiro. A partir de padrões linguísticos e inteligência artificial, o algoritmo do Radar capta tendências desinformativas na internet a partir de conteúdos de baixa qualidade, extraídos da API do Twitter, Youtube e WhatsApp. Em breve, cobrirá também Facebook e Instagram.
A diretora-executiva da agência, Tai Nalon, explicou que o Radar Aos Fatos informa quem são os principais atores da desinformação, que conteúdos recebem mais engajamento e quais consequências a atuação desses “desinformadores” podem trazer para a vida real, tanto online como offline.
Já o projeto Amazônia Minada, da InfoAmazônia, mostra em tempo real as atualizações de novos processos minerários dentro das 41 unidades de conservação de proteção integral sob gestão da União na Amazônia. Além disso, a cada novo registro que aparece no mapa, um tweet com informações sobre a empresa, o tipo de minério e a unidade de conservação afetada é publicado no perfil do Twitter @amazonia_minada.
O autor da iniciativa, Hyury Potter, contou que sua ideia era simplificar ao máximo o tema da mineração: “um tema muito duro, é difícil de entender, e a gente sabe o quanto ele é importante para o nosso país. É um tema difícil, mas é devastador para o meio ambiente”.
Angelina Nunes (Abraji), Tai Nalon (Aos Fatos), Bárbara Libório (AzMina) e Hyury Potter (InfoAmazônia).
O trabalho vencedor da categoria foi o da revista AzMina, Elas no Congresso. O projeto usa dados públicos do Congresso Nacional para monitorar os direitos das mulheres no poder legislativo e ocorre em três frentes. A primeira, por meio da robô @elasnocongresso no Twitter, que informa sobre as tramitações diárias de projetos de lei sobre temas de gênero. A segunda, um site com um ranking dos parlamentares brasileiros de acordo com sua atuação nas temáticas de gênero. E a terceira, a produção de conteúdos sobre como os direitos das mulheres estão sendo pautados no poder legislativo no site da Revista AzMina e em uma newsletter temática semanal.
Arte do projeto “Elas no Congresso”.
Representando o projeto, a jornalista Bárbara Libório compartilhou que a iniciativa busca solucionar a falta de acesso ao que ocorre no Congresso em relação aos direitos das mulheres e já teve grandes achados: o fato de que 1 a cada 4 projetos em tramitação no Congresso são desfavoráveis aos direitos das mulheres, a importância da bancada feminina, pois são as que mais defendem esses direitos de fato, e os principais temas pautados no legislativo, como o aborto.
Investigação
Descobertas inéditas e novos conhecimentos: a categoria Investigação do Prêmio Cláudio Weber Abramo reconhece trabalhos de alto impacto social que apliquem análise de dados para jogar luz a tópicos de interesse público. Para esta edição, foram indicados os trabalhos “Estados compram 7 mil respiradores, mas menos da metade é entregue; valor de cada equipamento varia de R$ 40 mil a R$ 226 mil no país” (G1), “Mapas inéditos: 10 escolas e mais de 1,5 mil edificações estão no caminho da lama das barragens da Vale em MG” (Repórter Brasil) e “Como morre um inocente no Rio de Janeiro” (Época).
Produzida pelos jornalistas Clara Velasco, Gabriela Caesar e Thiago Reis, a matéria do G1 começou com a ideia de analisar a situação da compra de respiradores em cada estado brasileiro durante a pandemia. Na premiação, Thiago contou que, após 108 pedidos de informação para os Ministérios Públicos estaduais e via LAI, a investigação descobriu que menos da metade dos respiradores tinha sido entregue nos estados e havia investigações em curso em quase todos eles. Além disso, os valores variados dos aparelhos forneciam muitos indícios de superfaturamento nas compras.
Também foi apresentado o trabalho do Repórter Brasil, desenvolvido por Amanda Rossi e Hugo Nicolau, que disponibilizou em plataforma para consulta pública as áreas que podem ser atingidas em caso de rompimento das barragens de mineração da Vale. E Hugo destacou que, desde o início, a reportagem teve dois objetivos principais: mostrar que esses dados existem e são ocultados por questões políticas, e possibilitar aos moradores locais saber se moram em um local que pode ser atingido por barragem caso haja rompimento.
Angelina Lopes (Abraji), Rafael Soares (Época), Hugo Nicolau (Repórter Brasil) e Thiago Reis (G1).
A investigação vencedora foi a de Rafael Soares, para a revista Época. A reportagem analisou, entre o final de 2019 e início de 2020, todas as informações disponíveis sobre as 195 “mortes por intervenção de agentes do Estado” ocorridas em julho de 2019 — o mês mais letal do ano mais letal da polícia mais letal do Brasil em mais de duas décadas. O levantamento indicou que ao menos 12 casos de mortes cometidas pela polícia do Rio de Janeiro, em um único mês, apresentados à população como “confronto com bandidos”, têm indícios graves de erro policial, em que inocentes foram mortos por engano, ou execução à margem da lei.
Ao anunciar o resultado, Angelina afirmou que o trabalho “confronta um sistema já consolidado e revela que um número pode ser apenas a ponta do iceberg de um problema muito mais complexo e grave”.
“Quando aqueles que deveriam proteger os cidadãos, em especial os mais vulneráveis, se tornam seus algozes impunemente, coube ao jornalista contrapor versões oficiais enganosas e limitar a barbárie”, disse.
O jornalista Rafael dedicou o prêmio a Ana Cláudia Rangel, mãe de Daniel Souza, uma das vítimas da violência documentada na reportagem. Daniel foi morto pela polícia e apresentado como criminoso em seguida. “Uma dor dessas é absurda para a família. É matar uma pessoa duas vezes. Eu uso os números da matéria para contar a história dessas pessoas. É por isso que me dediquei a esse trabalho e sigo me dedicando a esse tema”, declarou.
Jornalismo de dados feito com excelência para se inspirar
Encerrando o Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados 2020, Angelina destacou que o jornalismo de dados deve ser estimulado tanto nas redações como nas universidades. Como professora de jornalismo, ela contou que incentiva os estudantes desde o primeiro período a terem experiências de busca dos dados, contar histórias, e perder o medo dos números e estatísticas.
Em seguida, a diretora executiva da Open Knowledge Brasil, Fernanda Campagnucci, celebrou a comunidade vibrante de jornalismo de dados no Brasil, que segue realizando um trabalho de excelência a nível mundial, mesmo com todos os desafios enfrentados pela área no ano da pandemia.
Esta foi a segunda edição do Prêmio. Para conferir os indicados e vencedores da edição de 2019, acesse a página do evento e conheça outros trabalhos para se inspirar.
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