Por Adriano Belisário e Edilaine Santos

Há décadas a pauta ambiental ganha espaço crescente na cobertura jornalística. O jornalismo ambiental já tem uma longa trajetória, mas as recentes tecnologias digitais e disponibilizações massivas de dados sobre o tema estão transformando as práticas desta área.

Na Escola de Dados, criamos um curso inédito sobre jornalismo de dados ambientais, realizado em parceria com a Earth Journalism Network. Foram mais de 800 pessoas inscritas, de praticamente todos os estados brasileiros. Uma demonstração inequívoca do interesse e urgência do tema. Ao longo de maio de 2021, a primeira turma terá acesso às aulas ao vivo e às videoaulas inéditas. Em junho, todo material será disponibilizado de forma gratuita.

Para democratizar o acesso ao conhecimento na área, também iremos elaborar três tutoriais sobre jornalismo, dados e meio ambiente. Este texto é o primeiro da série, que pretende ajudar os jornalistas a navegar no oceano de possibilidades das ferramentas digitais e fontes de dados.

O objetivo deste tutorial é ampliar o repertório de ferramentas gratuitas, que podem ser úteis para jornalistas lidando com temas ambientais a partir de dados e evidências. Destacamos aqui 11 das nossas soluções preferidas para você começar a montar sua própria “caixa de ferramentas”.

Confira a lista das ferramentas ou plataformas citadas e veja a descrição sobre cada uma delas abaixo.

Índice das ferramentas

QGIS: um lar de código aberto para os dados geográficos

CARTO: crie mapas online com facilidade

Mapbox: faça visualizações complexas e interativas na web

StoryMapJS: conte histórias baseadas em mapas com poucos cliques

Geo Data Merger: cruze dados geográficos facilmente

Mapshaper: canivete suíço online para geodados

GloVis: catálogo de imagens de satélites

Google Earth: muito além do que você imagina

EO Browser: crie animações com imagens de satélite, diretamente do navegador

SnapPlanet: o Instagram das imagens de satélites

Worldview: para experientes em sensoriamento remoto

 

QGIS: um lar de código aberto para os dados geográficos

Antes conhecido como Quantum GIS, o QGIS é a principal solução de código aberto na área de Sistemas de Informação Geográfica (SIG ou GIS, em inglês). Ter alguma familiaridade com a ferramenta é altamente recomendável para quem deseja se aventurar com dados espaciais.

O programa permite criar mapas, bem como analisar, editar e visualizar dados geográficos. Ele pode ainda se conectar a APIs de dados espaciais externas e abrir arquivos em formatos variados. Suas funcionalidades são extensíveis por meio de plugins, que contam com diversas comunidades de desenvolvedores ativas.

O QGIS é um projeto mantido pelo Open Source Geospatial Foundation (OSGeo) sob licença livre. Conta ainda com aplicativos para celulares e tablets (como o QField, Input e IntraMaps Roam), que permitem a captura de informações em campo e a sincronização com o QGIS Desktop.

Tela com os principais paineis do QGIS. (QGIS)

Funciona em Windows, MacOS, Linux, BSD.

Tem código aberto ✔️

https://www.qgis.org/

https://github.com/qgis/QGIS

CARTO: crie mapas online com facilidade

CARTO é uma plataforma web que possibilita armazenar bancos de dados geoespaciais online e realizar análises, visualização e compartilhamento de dados direto do navegador, por meio do CARTO Builder. De planilhas a shapefiles, ele também suporta arquivos de diferentes formatos. 

Além de poder trabalhar seus próprios dados, a plataforma disponibiliza o Catálogo de Dados Espaciais de seu Observatório de Dados para serem analisados. Sob as licenças de acesso pago ou de domínio público, o site reúne mais de 9.000 conjuntos de dados distribuídos em 11 categorias, obtidos de diferentes fontes.

O Carto permite acesso gratuito por um ano a sua plataforma web, na sua versão “software como serviço” (SaaS), mas também pode ser instalado no seu próprio servidor. A plataforma pode ser uma ótima solução para pessoas sem conhecimento de programação, que precisam prototipar visualizações rapidamente ou desenvolver mapas para projetos pontuais.

Interface de edição do Carto Builder. (Carto)

Funciona online ou auto-hospedado em servidor próprio.

Tem código aberto. ✔️

https://carto.com/

https://github.com/CartoDB/

Mapbox: faça visualizações complexas e interativas na web

O Mapbox é um dos provedores de mapas mais importantes da Internet. Ainda que tenha uma interface intuitiva, que permite criar e estilizar mapas com facilidade, ele destaca-se por sua robustez em projetos ou aplicativos um pouco mais complexos, que demandam visualizações interativas, por exemplo. Mas talvez seja necessário um desenvolvedor para extrair o máximo do potencial da ferramenta. 

No Brasil, é amplamente utilizado por veículos como InfoAmazônia. Também foi a solução adotada em projetos como o premiado No Epicentro e o Territórios de Exceção. O site do Mapbox destaca outros casos de usos na imprensa internacional.

Um de seus principais componentes – a biblioteca JavaScript Mapbox GL – tinha o código aberto até o final de 2020. O serviço em si segue disponível para uso gratuito, com restrições à quantidade de usuários ativos por projeto. Passado este limite, a cobrança depende do volume de acessos às aplicações.

Edição de mapas com o Mapbox Studio. (Mapbox)

Funciona online.

Não tem código aberto. ❌

https://www.mapbox.com/mapbox-studio

StoryMapJS: conte histórias baseadas em mapas com poucos cliques

Se você precisa contar histórias a partir de mapas e não tem tempo ou recursos para desenvolver integrações complexas com provedores de mapas online como os anteriores, então, esta é uma ótima opção. No StoryMapJS, você pode criar eventos relacionados a locais, incluindo imagens, vídeos e descrições extra. Tudo isso com facilidade graças a sua interface amigável. 

O resultado pode ser incorporado no seu próprio site ou compartilhado diretamente da plataforma do StoryMap. Usuários avançados têm mais possibilidades de customização, como editar os dados em JSON ou criar objetos com JavaScript. Para usar o serviço, é necessário ter uma conta Google.

O site faz parte de um conjunto de ferramentas web criadas pelo Knight Lab da Northwestern University, que ajudam a contar histórias a partir de aplicativos que facilitam a criação de visualizações.

Interface de edição do StoryMapJS.

Funciona online.

Tem código aberto ✔️

https://storymap.knightlab.com/

https://github.com/NUKnightLab/StoryMapJS

Geo Data Merger: cruze dados geográficos facilmente

O Geo Data Merger é uma ferramenta web que mescla conjuntos de dados de arquivos em formato CSV, JSON, Geo e TopoJSON. Todo cruzamento ocorre no próprio navegador, nenhum dado é enviado ao servidor. Além disso, o código está disponível no GitHub, então, é possível instalar o programa em seu computador.

Ainda que o GIS ou linguagens de programação como o Python e R possam fazer cruzamentos do tipo com facilidade, o Geo Data Merger segue sendo útil por sua praticidade e facilidade no processo, que pode cativar quem está dando os primeiros passos com dados ambientais e precisa resolver problemas concretos com rapidez.

Interface do Geo Data Merger para carregar arquivos. (Funke Interaktiv)

Funciona online.

Tem código aberto ✔️

https://funkeinteraktiv.github.io/geo-data-merger/ 

https://github.com/funkeinteraktiv/geo-data-merger

Mapshaper: canivete suíço online para geodados

Assim como o Geo Data Merger, o Map Shaper facilita tarefas com geodados que podem ser resolvidas em outros programas ou linguagens mais completas. Mas novamente a ferramenta se destaca por sua facilidade e praticidade. Além da interface web, ele pode ser usado via linha de comando e o pacote rmapshaper está disponível na linguagem R.

O Map Shaper lida com arquivos em formatos diversos, como Shapefile, GeoJSON, TopoJSON e CSV. Destacamos aqui a funcionalidade de simplificação de formas, que em muitos casos pode reduzir em muito o peso de um arquivo com dados geográficos, sem prejudicar a visualização da informação. Ele também permite fazer cruzamentos e editar atributos das entidades mapeadas.

Tela inicial do Mapshaper.

Funciona online.

Tem código aberto ✔️

https://mapshaper.org/

https://github.com/mbloch/mapshaper

GloVis: catálogo de imagens de satélites

Mantida pelo governo norte-americano, o Global Visualization Viewer hospeda imagens de satélites e dados de sensoriamento remoto desde 2001. A ferramenta web é desenvolvida pela US Geological Survey. Com ela, é possível navegar por imagens de diversos satélites, por meio de um mapa e uma linha do tempo. Também é possível baixar as imagens visualizadas.

Em geral, projetos jornalísticos e de investigação com fontes abertas no Brasil usam os satélites Landsat-8 e o Sentinel-2. Você pode selecionar ambos nos controles de interface, localizados do lado esquerdo da tela, sob o nome “Choose Your Data Set(s)”. É possível encontrar mais instruções e um tutorial sobre a ferramenta no site InstrutorGIS mantido por Jorge Santos, especialista em dados geográficos e parte do corpo docente de nosso cursos sobre dados ambientais.

Busca por imagens de satélites no GloVis.

Funciona online.

Não tem código aberto. ❌

https://glovis.usgs.gov/app

Google Earth: muito além do que você imagina

É possível que você já conheça o Google Earth – e talvez até tenha o utilizado para passear virtualmente pelo globo terrestre. Mas o que muitos jornalistas não conhecem são as diferentes versões desta ferramenta e seu potencial, para além do turismo virtual.

O Google Earth Pro é gratuito, roda fora do navegador e permite acessos a recursos avançados, muito valiosos para jornalistas, tais como busca por imagens de satélites históricas e importação/exportação de dados geográficos. A ferramenta é bem intuitiva e, além de mapas e imagens de satélite, permite visualizar o globo terrestre em três dimensões e dá acesso a fotos em 360º de centenas de cidades. 

Além do “Pro”, há outra variante do Google Earth bem pouco conhecida e explorada no jornalismo, apesar de seu enorme potencial. Trata-se do Google Earth Studio, que permite criar vídeos e animações a partir das imagens do Google Earth. O acesso requer uma conta Google e é gratuito para finalidades jornalísticas, educacionais, de pesquisa e sem fins lucrativos. Há grande potencial para o uso da ferramenta na visualização de dados geográficos no telejornalismo ou em documentários, por exemplo.

Enfim, há também Google Earth Engine é uma plataforma de processamento de dados geoespaciais. Ela oferece uma ferramenta web de edição de códigos, catálogos de bases de dados e uma API JavaScript para executar análises sobre as imagens georreferenciadas hospedadas pelo Google.

Interface do editor de código do Earth Engine. (Google Developers)

Funciona online.

Não tem código aberto. ❌

https://www.google.com.br/intl/pt-BR/earth/

EO Browser: crie animações com imagens de satélite, diretamente do navegador

No EO Browser, é possível navegar por todos os conjuntos de dados de satélites oferecidos pelo Sentinel Hub, abrangendo variados intervalos de tempo e comparando imagens de diferentes satélites. Além da visualização das imagens em alta resolução, o navegador web permite que os usuários baixem os dados e camadas. O uso é gratuito para finalidades não comerciais.

A plataforma destaca-se por ter funções que permitem comparar imagens de satélites obtidas em momentos diferentes diretamente no navegador, por meio da função “Compare”. Para utilizá-la, é necessário criar um registro gratuito. O mesmo vale para outras funcionalidades interessantes, como a criação de timelapse.

Interface do EO Browser. (Sentinel Hub)

Funciona online.

Não tem código aberto. ❌

https://apps.sentinel-hub.com/eo-browser/

SnapPlanet: o Instagram das imagens de satélites

O SnapPlanet é como o Instagram, só que para imagens de satélites.

O aplicativo funciona como uma espécie de rede social para fãs de imagens de satélites. Além de navegar por um acervo de imagens da terra, você pode escolher uma localização e criar animações mostrando as transformações ao longo do tempo, no formato “time-lapse”. Muito útil para mostrar, por exemplo, o impacto de atividades de desmatamento. O resultado pode ser compartilhado com a comunidade de usuários do próprio SnapPlanet, além de ser exportado para usos externos não comerciais.

Interface do aplicativo do SnapPlanet. (SnapPlanet)

Funciona em Andoid, iOS e macOS.

Não tem código aberto. ❌

https://snapplanet.io/

Worldview: para experientes em sensoriamento remoto

O Worldview é outro navegador interativo de imagens de satélite de alta resolução e dados de sensoriamento terrestre. Ao contrário do SnapPlanet ou do EO Browser, no entanto, ele não é tão amigável para usuários inexperientes com sensoriamento remoto.

Com ele, é possível visualizar mais de 900 conjuntos de dados sobre a superfície terrestre, alguns inclusive com atualização quase em tempo real. Trata-se de um acervo de mais de três décadas e as imagens podem ser compartilhadas online ou baixadas para seu próprio computador, no Earthdata Search. A iniciativa é desenvolvida pela NASA.

Interface do Worldview. (Global Imagery Browse Services)

Funciona online.

Tem código aberto ✔️

https://worldview.earthdata.nasa.gov/ 

https://github.com/nasa-gibs/worldview

Conclusão

Existem também outras ferramentas digitais para trabalhar com dados ambientais. Se você chegou até aqui, pode se interessar em ver também a seleção de referências sobre mapas e meio ambiente no “toolkit” da agência de investigações Bellingcat.

As possibilidades são muitas e vão bem além das soluções citadas, mas esperamos que com este texto você tenha descoberto soluções interessantes e úteis para seu trabalho. Se você sabe de alguma outra ferramenta interessante, deixe seu comentário abaixo e conte pra gente o que ela tem de especial.

9 thoughts on “Caixa de ferramentas para jornalistas de dados ambientais”

  1. eloizio disse:

    Não sou jornalista, mas muitas dessas ferramentas conhecia, tanto da Graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental como na MBA em Geotecnologias. Parabéns por tudo e vamos em frente.

  2. Jefferson Alvarenga disse:

    Achei sensacional a explanação sobre as ferramentas para coleta de geodados. Texto claro, objetivo e que estimula o aprofudamento sobre o tema. Parabéns aos autores!

  3. Karina Betencourt da Silva Martins disse:

    Com a urgência da pauta ambiental na mídia, universidades e na sociedade, no geral, tem sido cada vez mais comum vermos pesquisas e gráficos sobre a situação dos biomas brasileiros. O jornalismo de dados é relativamente novo, e mesclado a pesquisa ambiental de forma desmistificada, tudo fica ainda mais recente. Não é tão óbvio para as escolas de jornalismo ensinarem esses caminhos como fonte de dados e de base para projetos. Nem sempre também outra área mais técnica se predispõe a ser didática com um repórter que precisa traduzir a informação para a linguagem popular. Que bom que este curso tem mostrado com simplicidade os meios. Gratidão.

  4. Rivaldo Fernandes Pereira disse:

    Excelente

  5. Fernanda Lourenco Carloni disse:

    Feliz e encantada por conhecer essas ferramentas. Confesso que pra mim é um universo totalmente novo, mas que estou ansiosa por desbravar.

  6. Fernanda Lourenco Carloni disse:

    Feliz e encantada por conhecer tantas possibilidades. Confesso que pra mim é um universo totalmente novo e ainda estou aprendendo, mas o curso permitiu que eu enxergasse diversas possibilidades. Incrível ver os dados se transformarem em imagens! Ansiosa por usar cada item dessa caixa de ferramentas! Obrigada por compartilharem tanto!

  7. erlanepsantos disse:

    Algumas ferramentas já conhecia. A maioria não. Parabéns pela seleção criteriosa do material.

  8. Francisco Lucas Freitas Rafael disse:

    Nossa! Ótimas dicas de ferramentas para apuração e acompanhamento de informações ambientais!

  9. Estou apreciando bastante todas as dicas mencionadas no curso. Sobre as ferramentas facilitam muito o trabalho. Gratidão por compartilhar!

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